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‘Alerta de risco de crime’ do Waze provoca debate sobre preconceito em São Paulo

Recurso está em operação desde fevereiro, em 35 regiões da capital paulista. Comissão da Câmara Municipal deve convidar aplicativo a prestar esclarecimentos

Leon Rodrigues/SECOM

Definir o que é “zona de risco” e sob qual base de dados o aplicativo fornece a informação são alguns dos problemas

São Paulo – O chef Edson Leitte saiu de sua casa semana passada, no Jardim São Luiz, zona sul de São Paulo, para ir a um compromisso em São Caetano do Sul, na região metropolitana. Em busca de um caminho melhor para percorrer o trajeto de automóvel, decidiu usar o popular aplicativo Waze. Pouco tempo depois de iniciar o deslocamento, porém, uma forte chuva o fez desistir de seguir em frente.  

O chef, criador da Gastronomia Periférica, achou melhor voltar para casa e esperar a situação melhorar. No retorno veio a surpresa: com o aplicativo ainda ligado, ouviu a voz feminina do Waze alertá-lo: “Entrando em área com risco de crime”. 

“Geralmente quem mora na quebrada, não utiliza o aplicativo para voltar pra casa, então é quase impossível saber que isso está sendo dito. Por morar no bairro, meu conhecimento sobre o lugar é na visão de quem mora aqui, ou seja, não é uma área com risco de crime. Temos mais criminosos por metro quadrado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados do que na quebrada. Lá sim é uma área de risco de crime. Imagina pra quem não mora aqui e quer vir visitar um restaurante, participar de uma atividade cultural na quebrada”, critica Edson Leitte.  

Para ele, o alerta estimula a estigmatização do bairro e prejudica a atividade econômica local. “É grave o que um aplicativo do tamanho do Waze faz. Não mapeia os restaurantes, as atividades bacanas que acontecem por aqui, mas chama indiretamente de criminosos todos que moram no bairro.” 

Assista o vídeo com o alerta:

Explicações 

A revolta do chef encontrou respaldo na Câmara Municipal. Por iniciativa do vereador Police Neto (PSD), a Comissão de Política Urbana deve aprovar requerimento, nesta quarta-feira (13), para convidar os responsáveis pelo aplicativo Waze a prestarem informações. Outras plataformas digitais semelhantes, como o Google, também deverão ser chamadas, assim como autoridades das policias militar e civil, Guarda Civil Metropolitana (GCM), e representantes da Secretaria Municipal de Segurança Urbana e da Secretaria Estadual de Segurança Pública. 

Segundo Police Neto, a situação indica a existência de dois problemas, sendo o primeiro a própria definição do é “zona de risco”. “Que autoridade pública é essa que tem a delegação da sociedade para anunciar que ali é uma zona de risco?”, questiona.  

Como exemplo, cita que a cidade de São Paulo pode ter áreas de risco por problemas frequentes de acidentes de trânsito ou por questões de insegurança urbana. “Quando você pega os primeiros balanços do carnaval, a região mais violenta de São Paulo foi a República (no centro da cidade), e a República não é um bairro periférico como o anunciado pelo Waze como região de risco.” 

Para o vereador, antes de haver a avaliação se é certo ou errado a informação prestada pelo aplicativo, é preciso entender qual a metodologia utilizada para definir se uma área é ou não de “risco”. 

O segundo problema é do ponto de vista ético. “Como você torna pública essas informações sem realizar uma ponderação com a autoridade policial? É o Waze anunciando que ali tem risco por conta do próprio Waze. Então não é uma autoridade policial fazendo isso”, pondera. 

Police Neto destaca que o aplicativo também orienta usuários do transporte coletivo e pergunta: “Será que o Waze vai dar a mesma informação; ‘você está entrando num ônibus de risco’?”. 

“A ideia não é apontar para alguém dizendo que está certo ou errado. O que nos parece nesse momento é que, ao não apresentar a metodologia, o aplicativo corre o risco de dar uma informação equivocada. A dinâmica de mobilidade na cidade é para gerar segurança e não tirar. Então qualquer aplicativo de mobilidade tem que levar a informação que quanto mais as pessoas circularem, menor será o crime”, defende o vereador. 

Como outro exemplo, Police Neto pondera que a Avenida Santa Catarina, onde há em torno de 1.500 CNPJs ativos, está localizada a cerca de 300 metros de distância da favela Alba. Nesse caso, se houver o alerta de risco para a Avenida Santa Catarina, pode colocar em risco toda a atividade econômica da região.  

“Por isso temos que cobrar do aplicativo que a metodologia seja aberta e validada, para ser orientada a partir disso, senão é uma informação que serve apenas para gerar pânico nas pessoas.” 

Outro lado 

Procurado pela reportagem da RBA, o Waze informou que o alerta funciona na capital paulista desde o mês de fevereiro. É a segunda cidade do país a ter esse recurso. Ao todo, o aviso tem acontecido em 35 áreas da cidade até o momento. “Podemos expandir ou alterar as áreas cobertas com base nas condições variáveis e no feedback dos usuários”, explica a empresa. 

Questionada sobre qual base de dados utilizada para fornecer o alerta, o Waze explica que “leva em consideração o conteúdo gerado por seus usuários e também inclui informações públicas disponíveis.” 

Segundo o aplicativo, a ideia de fornecer a informação de área de risco surgiu no Rio de Janeiro, por ocasião dos Jogos Olímpicos de 2016.  

“O recurso em si funciona de forma muito semelhante ao recurso ativo no Rio de Janeiro. O desafio foi grande porque sabíamos que o Rio tem centenas de áreas consideradas não seguras, apesar de muitas serem comunidades vibrantes com uma cultura incrível, elas infelizmente sofrem com a criminalidade local. Devido à geografia do Rio de Janeiro, é fácil se perder. Essa configuração fornece informações antecipadamente para os motoristas que não estão familiarizados com a cidade, então eles têm a chance de evitar uma determinada rua se desejarem. Nossos critérios eram reunir as áreas com maior histórico de criminalidade, alertar os motoristas sobre essas áreas e dar a chance de eles mesmos fazerem a escolha de passar por essas áreas ou seguir por uma rota alternativa sugerida pelo aplicativo”, explica, em nota, a assessoria do Waze. 

Ainda segundo a empresa, esse tipo de alerta foi um dos recursos mais pedidos pelos usuários do aplicativo. “Assim como vários recursos do app, foi construído com base no feedback deles (usuários) e da nossa comunidade de editores de mapas.”  

Questionada se o alerta pode colaborar para estigmatizar a região onde ele ocorre, o Waze diz que o objetivo é “fornecer assistência à comunidade de motoristas do Waze, fornecendo informações relevantes e significativas relacionadas aos trajetos e entornos”.  

O aplicativo destaca que o alerta “é uma forma de informar o motorista sobre o trajeto traçado, assim como sempre fornecemos informações em relação à presença da polícia e riscos nas vias, entre outros”.

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