'Um absurdo'

Procuradoria: extinção do Conselho de Segurança Alimentar é inconstitucional

'A fome e a miséria têm pressa, não podem esperar que alguma mente engenhosa, por capricho, proponha algo em substituição àquilo que funcionava, mas que tem o selo político adversário', diz órgão do MPF

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Sistema desarticulado pelo governo Bolsonaro foi fundamental para tirar o Brasil do mapa da fome, afirma órgão do MPF

São Paulo – A extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) é inconstitucional, afirma a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), vinculada ao Ministério Público Federal (MPF). A Procuradoria encaminhou nota técnicaao Congresso para demonstrar a inconstitucionalidade de item da Medida Provisória (MP) 870, de janeiro, a primeira do atual governo. Também pede que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, acione o Supremo Tribunal Federal.

Para a PFDC, o Artigo 85 da MP “é um absurdo, porque desorganiza a administração pública exatamente no ponto em que mais investimento, de toda ordem, se requer”, afirma na nota técnica. “Tampouco houve qualquer proposta de uma nova organização, eventualmente mais eficiente do que a anterior para o combate à fome e à miséria. Recorde-se que aqui é o espaço onde o tempo pode ser definitivo. A fome e a miséria têm pressa, não podem esperar que alguma mente engenhosa, por capricho, proponha algo em substituição àquilo que funcionava, mas que tem o selo político adversário.”

Para a Procuradoria, a primeira MP de Bolsonaro desorganiza o sistema criado com a Lei 11.346, que instituiu o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), do qual fazia parte, entre outros, o próprio Consea. Nesta quarta-feira (20), a procuradora federal Deborah Duprat, ao participar do lançamento da Comissão Arns de direitos humanos, citou três iniciativas do atual governo que considerou negativas, inclusive a extinção do Conselho.

“Esse sistema (Sisan) foi fundamental pra tirar o Brasil do mapa da fome em 2014”, afirmou no evento. A nota técnica foi encaminhada um dia antes ao Congresso. “O desmonte dessa estrutura, se já impensável em tempos de bonança, mais impacta o combate à fome e à miséria em um cenário de baixo investimento público nas políticas pertinentes”, diz ainda a procuradora.

A Procuradoria sustenta que o Artigo 85 da MP viola o artigos 3º (a erradicação da pobreza como objetivo fundamental da República) e 6º da Constituição (direito à alimentação). E afirma que a medida do governo “afronta o princípio da vedação de retrocesso”. 

Na nota técnica, a PFDC fala em “hipótese” de extinção do Consea, “já que houve supressão de suas atribuições e a inviabilidade de seu funcionamento, uma vez que os dispositivos pertinentes à sua composição também foram revogados”. Mas a Procuradoria acrescenta que a Lei 11.346 ainda tem normas referentes ao Conselho, que permanecem “de forma descontínua e confusa”.

Também foi encaminhada uma representação à procuradora-geral da República, para que a PGR encaminhe ao STF um pedido de análise da inconstitucionalidade dos dispositivos citados. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão quer ainda que a Corte Suprema considere a suspensão imediata dos efeitos da MP no que se refere ao Consea. 

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