Luto

Morre ativista que ajudou a denunciar João de Deus

Sabrina Bittencourt, de 38 anos, morava em Barcelona e cometeu suicídio. Antes, se despediu pelo Facebook: 'Marielle me uno a ti. Eu fiz o que pude, até onde pude'

Reprodução/Arquivo pessoal

“O meu caminho foi traçado a partir da dor do outro e da minha dor”

São Paulo – A ativista Sabrina Bittencourt, que ajudou a denunciar os abusos sexuais do médium João de Deus e do guru Prem Baba, morreu por volta das 21h de ontem (2). Ela tinha 38 anos e cometeu suicídio. A notícia foi confirmada por meio de uma nota comunicada à imprensa assinada por Maria do Carmo Santos, presidenta da ONG Vitimas Unidas, que trabalhava junto com Sabrina.

“O grupo Vítimas Unidas comunica com pesar o falecimento de Sabrina de Campos Bittencourt ocorrido por volta das 21h deste sábado, 02 de fevereiro, na cidade de Barcelona, na Espanha, onde vivia. A ativista cometeu suicídio e deixou uma carta de despedida relatando os porquês de tirar sua própria vida. Pedimos a todos que não tentem entrar em contato com nenhum integrante da família, preservando-os de perguntas que sejam dolorosas neste momento tão difícil. Dois dos três filhos de Sabrina ainda não sabem do ocorrido e o pai, Rafael Velasco, está tentando protege-los. A luta de Sabrina jamais será esquecida e continuaremos, com a mesma garra, defendendo as minorias, principalmente as mulheres que são vítimas diárias do machismo”, diz a nota.

Ela foi uma das criadoras do “movimento” Coame, sigla para Combate ao Abuso no Meio Espiritual, plataforma que reunia denúncias de violações sexuais cometidas por padres, pastores, gurus e líderes religiosos. Sofreu abusos desde os 4 anos de idade por membros da igreja mórmon frequentada pelos pais. Ficou grávida de um dos estupradores aos 16 anos e abortou. 

“O meu caminho foi traçado a partir da dor do outro e da minha dor. Eu sabia desde sempre que tinha privilégios que outros não tinham. Então, para poder me curar dessas dores, fiz trabalho social intensamente por 20 anos”, disse Sabrina, em entrevista à revista CartaCapital no ano passado.

Filho de Sabrina, Gabriel Baum confirmou a morte da mãe, que lutava contra um linfoma, em uma rede social. “Ela não queria ser morta pelas quadrilhas nem pelo câncer. Minha mãe lutou até o final. Ela não desistiu. ela só se libertou do inferno que estava vivendo.”

Leia abaixo a íntegra da sua postagem de despedida no Facebook:

“Marielle me uno a ti. Somos semente. Que muitas flores nasçam dessa merda toda que o patriarcado criou há 5 mil anos! Eu fiz o que pude, até onde pude. Meu amor será eterno por todos vocês. Perdão por não aguentar, meus filhos. VOCÊS TERÃO MILHARES DE MÃES NO MUNDO INTEIRO. Minhas irmãs e irmãos na dor e no amor, cuidem deles por mim… ❤️ Eu sempre disse que era só uma pequena fagulha. Nada mais. Só pó de estrelas como todos. USEM A SUA PRÓPRIA VOZ. A SUA PRÓPRIA VONTADE. TOMEM AS RÉDEAS DE SUAS PRÓPRIAS VIDAS E ABRAM A BOCA, NÃO TENHAM VERGONHA! ELES É QUEM PRECISAM TER VERGONHA. Não aguento mais. Todas as provas, evidências, sistemas de apoio, redes organizadas e sobretudo, meu legado e passagem por aqui está entregue ou chegará às mãos corretas. As REDES DE APOIO AOS [email protected] FORAM [email protected] E SE EXPANDIRÃO NA VELOCIDADE DA LUZ! Não se desesperem. Dessa vida só levamos o mais bonito e o aprendido. Paulo Pavesi, eu sinceramente sinto muito pela morte do seu filho. Tenha certeza, que se eu soubesse da sua história na época, implicaria minha vida e segurança como fiz com centenas de pessoas. Damares, eu sei que você não teve tratamento psicológico quando deveria e teve sequelas, servindo de marionete neste sistema de merda que te cooptou, acolheu e com o qual você se sente em dívida o resto da sua vida. Não tenho dúvidas que você amou e cuidou da sua “Lulu” como gostaria de ter sido cuidada e protegida na sua infância, mas ela nao é uma bonequinha bonita que você poderia roubar e sair correndo… Giulio Sa Ferrari, eu te considerei um irmão e você sabia de todas as minhas rotas de fuga… eu vi em você a pureza de um menino que nunca foi notado por uma sociedade neurotípica que não entendia os neuroatípicos, mas reputação é algo que se constrói e não é de um dia ao outro. Gabriela Manssur, muito obrigada por me fazer ter esperança de que elas serão ouvidas e atendidas em suas necessidades. João de Deus, Prem Baba, Gê Marques, Ananda Joy, Edir Macedo, Marcos Feliciano, DeRose Pai, DeRose filho, todos os padres, pastores, bispos, budistas, espíritas, hindús, umbandistas, mórmons, batistas, metodistas, judeus, mulçumanos, sufis, taoístas, meus familiares, Marcelo Gayger, Jorge Berenguer, eu desconheço a sua infância e a sua criação pelo mundo, mas sei no meu íntimo que TODO MENINO NASCEU PURO e foi abusado, corrompido, machucado, moldado, castrado, calado, forçado a fazer coisas que não queria, até se converter talvez, cada um à sua maneira, em tiranos manipuladores (em maior ou menor grau) que ao não controlar os próprios impulsos, tentam controlar a quem consideram mais frágil e assim praticam estupros, pedofilia, adicções diversas… Eu sei, eu sinto, eu vi. Mas ainda assim, preferi SEMPRE ficar do lado mais frágil nesta breve existência: mulheres, crianças, idosos, jovens, povos originários, afrodescendentes, refugiados, ciganos, imigrantes, migrantes, pessoas com deficiência, gays, pobres, lascados, fudidos, rebeldes e incompreendidos… Essa vida é uma ilusão e um jogo de arquétipos do bem e do mal, de dualidades… desde que o mundo é mundo. Vivo num outro tempo desde que nasci e sempre senti que vivia num mundo praticamente medieval. Volto pro vazio e deixo minha essência em PAZ. Aos meus amigos, amadas e amantes, nos encontraremos um dia! Sintam meu amor incondicional através do tempo e do espaço. SIM e FIM.”

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