Cartas Marcadas

Licitação dos ônibus em SP será vencida pelos empresários que já operam o sistema

Gestão Covas recebeu 33 propostas para as 32 áreas de concessão, todas feitas pelos atuais operadores. Sem concorrência, custos do sistema devem permanecer altos, encarecendo tarifa e subsídios

Bruno Escolastico/Futura Press/Folhapress

Expectativa de que a nova licitação pudesse ampliar concorrência e reduzir os custos do sistema foi liquidada hoje

São Paulo – Como temiam organizações e especialistas, a licitação de ônibus da capital paulista será vencida pelos empresários que já atuam no sistema. A gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) recebeu hoje (5) as propostas de empresas de ônibus para concessão do sistema de transporte coletivo da capital paulista. Para 33 áreas foram recebidas 32 propostas, minando qualquer possibilidade de concorrência. Para Rafael Calabria, especialista em mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), não houve surpresa. “Desde o lançamento da licitação nós alertamos que o edital prejudicava a concorrência”, afirmou.

“Apenas uma área da zona leste terá disputa (área D7). Todas as demais ficam com os mesmos empresários que já operam. Mesmo no novo grupo de distribuição, de articulação regional, são empresas já operadas pelos mesmos grupos empresariais. Sem competição, é pouco provável que haja mudança nos valores de custo do sistema, que tendem a permanecer altos, já que não há disputa. E isso impacta depois no custo da tarifa e do subsídio”, explicou Calabria. A área citada era operada pela Imperial Transportes Urbanos, que teve um diretor assassinado no final de 2017.

A falta de concorrência foi tanta que pareceu combinada: cada empresa fez proposta para uma ou mais áreas, mas não houve caso de duas empresas proporem um valor para a mesma área, com exceção da área D7, na zona leste. Os valores propostos ainda não foram divulgados e a prefeitura deve anunciar os vencedores oficialmente nos próximos dias.

No sistema estrutural, que opera com ônibus maiores, fazendo a ligação bairro-centro, vão operar exatamente as mesmas empresas que operam desde 2003. Apenas alguns nomes novos de empresa surgiram, como a Viação Grajaú, sediada no mesmo local da Viação Cidade Dutra, e a Viação Sudeste, operada por diretores da Via Sul. Outras empresas resultaram da união entre grupos que já operam na cidade, como no caso da Expansão Transportes Urbanos S. A., surgida da parceria entre os grupos Ruas, Cunha e Figueiredo, e das antigas cooperativas, que não podem mais operar na cidade neste formato. É o caso da TransWolff, que substitui a antiga CooperPam.

Pela nova licitação, a operação do transporte de ônibus da capital terá custos de R$ 71,1 bilhões, em 20 anos. A gestão Covas manteve os ganhos exorbitantes dos empresários, mantendo uma Taxa Interna de Retorno (TIR), o lucro sobre os investimentos realizados e sobre o fluxo de caixa, em 9,85%, quando o Tribunal de Contas do Município recomendou um máximo de 6,44%, em setembro do ano passado. O TCM estima que os ganhos dos operadores podem chegar a R$ 3,84 bilhões a mais por conta dessa taxa.

A auditoria nas contas do sistema de transporte realizada pela consultoria Ernst&Young, em 2014, contratada pela gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), mostrava que a TIR a ser aplicada à nova licitação deveria ser de, no máximo, 7,2% ao ano.

O edital mantém a proposta de corte de linhas em várias regiões da cidade. Os números ainda não estão definidos, mas são estimados em 149 linhas extintas e 186 alteradas. A gestão Covas garante que o processo vai ser dialogado com a população, no entanto, em 2017 várias linhas foram alteradas sem qualquer transparência. Uma análise feita pelo TCM em 12 linhas de ônibus nas quais estão previstas alterações revelou que cinco delas (975A-10, 917M-10, 118C-10, 478P-10 e 118C-10) teriam acréscimo da viagem de 44 mil quilômetros por mês e com adição de mais uma baldeação. Algumas substituições de linhas ou trechos de linhas tinham distâncias de até 500 metros entre elas.

Também foi mantida no edital a redução do número total de coletivos dos atuais 13.603 para 12.667. No entanto, o documento prevê a inserção de veículos maiores no sistema, com aumento do número de lugares disponíveis. Assim a oferta de lugares subiria em 100 mil assentos, de 1 milhão para 1,1 milhão. A cobertura da rede de transporte também deve subir, de 4.680 para 5.100 quilômetros. Tanto estas medidas como a redução do número de linhas devem ser realizadas em até três anos após a assinatura dos contratos.

O edital indica uma possível redução no tempo de espera dos coletivos de 5% com a “troncalização”, o que deve resultar em poucos minutos de diferença na prática. Nesse sistema, linhas locais partem dos bairros para terminais ou estações de transferência, onde a população faz baldeação para ônibus maiores que fazem o trajeto para regiões centrais, preferencialmente por meio de corredores. No entanto, não há previsão de construção de novos corredores na atual gestão.

A nova rede será subdividida em três subsistemas e 29 contratos de operação. Hoje são dois subsistemas e 22 contratos. A cidade terá o subsistema estrutural, que ligará os bairros ao centro; o subsistema de articulação regional, ligando os bairros a terminais ou estações de transferência, onde o passageiro fará baldeação para linhas de maior capacidade; e o subsistema de distribuição, circulando nos bairros. Será extinto o sistema de cooperativas.

Os novos veículos que ingressarem no sistema deverão ter ar-condicionado, entradas USB e Wi-Fi, acessibilidade, GPS, vigilância, tecnologias menos poluentes, bloqueio de portas, limitador de velocidade e sistema de movimentação vertical da suspensão.

 

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