Prato cheio

‘Banquetaço’ leva ‘comida de verdade’ para o centro de São Paulo

Produtores da agricultura familiar e cozinheiros serviram pratos preparados com alimentos orgânicos e agroecológicos para protestar contra a extinção do Consea

Juca G./Brasil de Fato

São Paulo e outras 40 cidades tiveram banquete de comida orgânica em protesto contra extinção do Consea

São Paulo – Com uma mesa de mais de 15 metros montada na Praça da República, no centro de São Paulo, as pessoas que passavam por ali na hora do almoço nesta quarta-feira (27) puderam experimentar pratos diversos feitos com alimentos orgânicos – sem o uso de agrotóxicos – e produzidos de forma agroecológica, sem agredir o meio ambiente. Integrantes da agricultura familiar,  cozinheiros e cozinheiras e organizações da sociedade civil que organizaram o “banquetaço” protestavam contra o fim do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), uma das primeiras medidas tomadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) no início do ano.

“Estava passando na praça, com fome, ainda não tinha almoçado, quando vi essa comida toda. Uma maravilha”, conta a pedagoga Roseli Pereira, 57, que é vegetariana há mais de 30 anos. “Serve para que as demais pessoas se familiarizem com esse tipo de comida natural, comer e dar valor às coisas da terra. Serve também para cuidar do corpo e do meio ambiente”, conta ela. Mike Oliveira, 23, morador de Heliópolis, que estava no centro à procura de emprego, também ficou satisfeito. “Comi bastante. Está bonito o banquete. Gostei de comer diferente e desse prato de folha”. O banquetaço ocorreu simultaneamente em outras 40 cidades do país.

Servidos numa cumbuca de folha de bananeira para reduzir o impacto ambiental do lixo produzido, as pessoas podiam escolher entre pães com farinha de trigo integral, patê de abóbora com semente tostada, salada de batata e mandioquinha com temperos naturais, macarrão ao pesto de hortelã, bolos de banana e arroz, pão de mel, brownie e docinho de coco, tudo preparado por uma rede de chefes e cozinheiros colaboradores. Para beber, suco de goiaba, chá de camomila e água aromatizada com limonete, planta medicinal com propriedade calmante. 

Outro prato que chamava a atenção era uma farofa de farinha de mandioca orgânica, ovos caipiras de “galinha feliz” e “Pancs” – as Plantas Alimentícias Não Convencionais – como a ora-pro-nóbis, capeba e beldroegão, ricas em vitaminas e outros elementos. “A ora-pro-nóbis é rica em proteína vegetal, e nasce espontaneamente do lado da gente, sem nada de impacto”, explicou a cozinheira Neca Mena Barreto, cozinheira especializada em banquetes que resolveu colaborar voluntariamente com o “banquetaço”.

Direito humano

“A gente quer mostrar para a população que a comida realmente vem do campo. Se o campo não planta, a cidade não janta. Toda essa abundância é possível, se a gente não desperdiçar”, conta a chefe de cozinha e ativista Simone Gomes, uma das integrantes do coletivo Banquetaço. Ela conta que 100% dos alimentos servidos foram fruto de doações, que devem alimentar mais de 2 mil pessoas. 

Berinjelas e abobrinhas orgânicas vieram de produtores familiares de Ibiúna, município do interior paulista, próximo a Sorocaba. A farinha de mandioca foi doação de indígenas guaranis da Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da Região Sul de São Paulo (Cooperapas). Frutas e hortaliças vieram também de hortas urbanas da cidade de São Paulo, além de doações de comerciantes da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp).

Consea

O Consea, órgão criado há mais de 20 anos, funcionava como um espaço de interlocução entre representantes da sociedade civil, pesquisadores e o poder público federal. As políticas ali discutidas lidavam com o combate à fome, mas também com questões relacionadas à saúde da população, como o avanço do sobrepeso e da obesidade, e a busca por de um novo modelo de produção e consumo de alimentos com menos impacto ambiental, explica o nutricionista Rafael Arantes, que faz parte do conselho de alimentação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Com a decisão de Bolsonaro de extinguir o conselho, saem fortalecidos os interesses da agroindústria, segundo ele. “A gente consegue observar que quem ganha são as indústrias que se beneficiam do interesse corporativo, do lucro, toda aquela lógica que vê a alimentação e a saúde como um produto”, afirmou o nutricionista.

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