Extinção do Consea

‘Governo mostra descompromisso com quem passa fome’

Representante da CUT no Conselho lamenta medida. 'Será que o governo não quer que haja controle na produção de alimentos?', questiona presidente da Contag. Entidades vão ao Congresso para mudar MP

Gonzalo Arselli

Carmen, da CUT: a agricultura familiar foi instrumento importante no combate à fome

São Paulo – A decisão do governo de acabar com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), explicitada na Medida Provisória 870, é vista pela vice-presidenta da CUT, Carmen Foro, como um sinal de “descompromisso com o povo pobre e com quem passa fome no país”. Representante da central no Consea, ela afirma que o órgão, rearticulado na gestão Lula, ajudou a elaborar um conjunto de políticas de combate à fome e voltadas para a produção de alimentos. Isso mostrava, acrescenta Carmen, “preocupação máxima” com a questão, ao contrário do atual governo.

É um sinal de que ele “não está nem aí para quem passa fome neste país”, afirma a vice da CUT, acrescentando que o Brasil está voltando ao chamado Mapa da Fome. “O Lula criou uma lei (a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, Losan, de 2006) preocupado maximamente com a fome no Brasil. O combate à fome era política de governo”, diz Carmen. Entre os programas criados a partir de propostas surgidas no Consea, estão o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Aristides Santos, foi uma sinalização de que será um governo “fechado” ao diálogo. “Todos os conselhos são espaços democráticos, espaços da sociedade, me parece que eles (governo) não vão valorizar os espaços de debate”, afirma. A Contag também tem assento no Consea.

Ele lembra que o Conselho não é deliberativo, mas consultivo, “não tem nada de ideologia”, e existe para assessorar a Presidência na elaboração de políticas. “Será que o governo não quer que haja um controle da produção de alimentos, um debate sobre alimentação mais saudável?”, questiona.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) divulgou nota repudiando a decisão “e a arbitrariedade do desmonte de um espaço de participação popular importante” para monitorar o direito humano à alimentação saudável. A entidade lembra que foi a partir do Consea “que o Estado brasileiro reconheceu a responsabilidade de enfrentar as causas da fome e organizar um marco político legal para a garantia do direito humano à alimentação adequada”. 

“Portanto, é aviltante o desprezo pela trajetória histórica de instituições que atuam em um campo de políticas tão essencial para o desenvolvimento sustentável e socialmente justo do país. Também causa consternação a desconsideração do difícil processo de construção de legislação, de políticas, de programas e de uma estrutura institucional”, acrescenta a entidade, referindo-se ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), instituído no país também em 2006, e citando outros avanços, como o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo).

O foco, agora, passa a ser o Congresso. As entidades afirmam que vão procurar os parlamentares para mudar ou derrubar a MP 870. “Espero que o Congresso não aceite uma medida tão autoritária como essa. O Brasil precisa ter responsabilidade com o que produz”, diz Aristides. “É período de a gente se organizar e se articular para fazer esse enfrentamento”, acrescenta Carmen, lembrando que o Parlamento só volta às atividades em fevereiro.