Chacina completa 15 anos

A cada ano se revive a dor, afirma fiscal sobre mortes em Unaí

Assassinato de quatro servidores, três auditores e um motorista, é lembrado em atos pelo país. 'Não adianta pegar o gato ou o coiote. Temos de chegar no topo da cadeia', diz procuradora

Reprodução Facebook Sinait

Protesto de auditores e famílias de vítimas realizado na manhã desta segunda-feira em Brasília: ‘triste página’ na história do país, até hoje sem punição aos mandantes do crime de 2004

São Paulo – A chacina de Unaí, que completa 15 anos hoje (28), foi lembrada em atos pelo país e também durante evento no Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo sobre trabalho escravo. O auditor-fiscal André Roston, que coordena o programa de combate à prática no estado, afirmou que “cada ano é um reviver de dor”. O próprio procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, contou que por pouco ele não foi uma das vítimas daquele crime.

Ele lembrou que a operação em Unaí em 2004, de apuração de denúncia sobre trabalho escravo em fazendas de feijão, deveria ser realizada em fevereiro, mas foi antecipada para 28 de janeiro por decisão de Nélson José da Silva, coordenador da equipe e uma das vítimas do crime. Com isso, não havia procuradores disponíveis e Fleury, então procurador-chefe no Distrito Federal, se ofereceu para ir, se necessário. A doença de um colega a forçou a permanecer. “Senão eu seria uma das vítimas daquela chacina.”

O Sinait, sindicato nacional dos auditores-fiscais, promoveu atos em memória das vítimas de Unaí e em protesto contra a impunidade de mandantes e intermediários do crime. Em 2013, os executores foram condenados e cumprem pena em regime fechado, mas no caso dos mandantes um deles, o ex-prefeito de Unaí Antério Mânica, teve o julgamento anulado. A sentença do empresário Norberto Mânica, irmão de Antério, foi reduzida, assim como a de outros dois, considerados intermediários do assassinato, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro. Todos estão em liberdade. Por isso, o ato em Brasília, na manhã de hoje, foi realizado diante do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que em 2018 revisou as sentenças.

Para o Sinait, Unaí “é uma triste página na história da fiscalização do trabalho e chega aos 15 anos sob o signo da injustiça”. Em 2009, foram aprovadas as leis 11.905 (Dia Nacional do Auditor-Fiscal do Trabalho) e 12.064 (Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo). 

Coordenador durante dois anos e meio da divisão de combate ao trabalho escravo no extinto Ministério do Trabalho (foi demitido durante o governo Temer), Roston afirmou que a história “marca pessoalmente”, porque ele chefiou uma das equipes de fiscalização e conheceu pessoas que conviveram com as vítimas: os auditores-fiscais Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves e o motorista Aílton Pereira de Oliveira.

Viúva de Eratóstenes, Marinês participou do ato em Brasília e lamentou a decisão do TRF1. “O júri condenou, deu a pena, eles recorreram, e nós com esperança de que fosse mantida a decisão. Fizeram com que a nossa história fosse riscada, mais dolorida, mais cruel”, afirmou, em vídeo postado pelo Sinait.

A coordenadora do Grupo de Apoio ao Combate à Escravidão Contemporânea do MPF, Adriana Scordamaglia Fernandes, enfatizou a necessidade de investir na apuração de todos os crimes relacionados à prática. “Tem lavagem de dinheiro, rufianismo (exploração da prostituição alheia), usurpação de função pública, dano ao meio ambiente, assédio sexual”, relacionou.

Além disso, é preciso investigar toda a cadeia produtiva, não apenas os exploradores imediatos ou capatazes, mas os que se beneficiam do crime. “Não adianta pegar o ‘gato’ ou o ‘coiote’. Temos de chegar no topo da cadeia”, afirmou Adriana. “Gato” e “coiote” são gírias para designar agenciadores.

 

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