Linguística

Desbolsonário de Bolso: para entender o sistema Bolsonaro de comunicação

Elaborado por professoras de Filosofia, texto organiza 62 verbetes para compreender ideias complexas do novo governo como “cidadão de bem” e “marxismo cultural”

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São 62 verbetes para entender como se constrói a narrativa distorcida do governo Bolsonaro

São Paulo – Termos repetidos à exaustão na campanha eleitoral do presidente eleito da República, Jair Bolsonaro(PSL), e seus seguidores finalmente ganharam uma explicação consistente no Desbolsonário de Bolso.

O trabalho, elaborado pelas filósofas Marcia Sá Cavalcante Schuback e Luisa Severo Buarque de Holanda, ajuda a entender as ideias controversas e mesmo contraditórias do novo governo, com bom humor e simplicidade. Dentre os verbetes estão “Cidadão de Bem”, “Whatsapp”, “Doutrinação Esquerdista”, “Ideologia de Gênero”.

“A linguagem parecia ter entrado em pane. Era preciso, com urgência, encontrar um instrumento que nos auxiliasse no trabalho de comunicação com nossos conterrâneos. E também no trabalho de tradução de um glossário bem específico para aqueles que, como nós, sentiam-se perdidos diante de termos e significados forjados tão repentinamente em bocas, cabeças, mídias, redes e meios de comunicação contemporâneos”, explicam as professoras sobre a criação do Desbolsonário, que está disponível na internet. Conheça alguns dos termos:

CIDADÃO DE BEM. 1. Todo brasileiro macho que ganhe acima de dez salários mínimos, desde que não seja homossexual ao menos não abertamente , nem muito negro, nem tenha sido pego pela operação ‘lava- jato’. A expressão, como está claro, pressupõe que qualquer pessoa que saia do padrão descrito acima seja um ‘cidadão do mal’. Moradores de favelas estão, por definição, excluídos do grupo dos assim denominados. 2. Morador de bairros caros de todas as cidades grandes do Brasil, pagador dos IPTU’s mais altos e, consequentemente, pessoa que se acha no direito de fazer qualquer coisa no e com o espaço coletivo, pois se vê como dona dele, e sempre capaz de expulsar qualquer um da sua área, bem como de exigir o que quiser do poder público.

WHATSAPP. 1. Mais conhecido como zapp, meio de desinformação mais popular, usado para enviar informações que desinformam com velocidade vapt vupt. 2. Por má-aliteração, acredita-se que vapt vupt é o mesmo que zappt zuppt. 3. Corruptela neoliberal, ou seja, corrupção linguística da expressão “what is up?”, que comumente significa “como vão as coisas?”, agora entendida como aplicativo para corromper o sentido das coisas e se perguntar: “como tornar vão o sentido das coisas para ocupar esse vão com qualquer sentido?” 4. Versão atualizada da antiga brincadeira do “telefone sem fio”, que consiste em fazer a mensagem transmitida chegar ao seu alvo o mais deturpada possível.

DOUTRINAÇÃO ESQUERDISTA. 1. Novo nome para o que antes era a “conscientização política”. 2. Palavra que entrou na moda por decreto quando ficou decidido que a ditadura militar que se instalou no Brasil em 1964 foi um ‘movimento’ e quando se decidiu também que os últimos trinta anos (data exata da redemocratização) foram um período de decadência moral e cívica. Daí a assumida necessidade de se reescrever a história. A estratégia de falsificação da história confunde-se com a necessidade de reescrever a história quando se leva em conta a história esquecida e reprimida das vítimas da história: quando se leva em conta a ausência da história dos negros, da mulher, dos homossexuais e de todos que sofreram segregação e injustiças ao longo dos séculos.

IDEOLOGIA DE GÊNERO. 1. Expressão inexistente no léxico das Ciências Sociais e dos estudos de gênero. Locução genérica que designa qualquer coisa que aborde minimamente problemas ligados à discriminação de gênero ou questões ligadas à comunidade LGBT. 2. Fórmula criada por bolsonaristas que mostra o gênero de ideologia do bolsonarismo.