Licença para matar

Violência e crimes cometidos por policiais devem aumentar no país

Para o advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Condepe, propostas do Executivo tendem a 'legitimar o extermínio e do genocídio da juventude pelo Estado'

arquivo/ebc

Ariel de Castro Alves: ‘Policiais já são favorecidos porque quem os investiga são seus próprios colegas’

São Paulo – “Você presta atenção do que fala da polícia.” Leandro Palmeira dos Santos Filho ouviu esta frase três dias após a morte de seu sobrinho Vinícius Luiz da Silva Cruz, de 15 anos. No dia 31 de outubro, ele estava com seu primo Daniel Mendes dos Santos quando saiu para aprender a dirigir motocicleta, depois de chegar do trabalho. Naquela noite, os jovens foram baleados por policiais. Vinícius morreu e Daniel está preso. Na versão dos militares, estavam armados. A Ouvidoria da PM instaurou um procedimento para apurar o caso, já que existem inconsistências.

O caso aconteceu na Rua Sapopemba, bairro do Jaraguá, zona oeste de São Paulo. O advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana (Condepe), está acompanhando o desenrolar. Ele, ao lado de familiares, que ingressou na Ouvidoria pedindo melhor apuração do caso. “Hoje, os policiais atiram primeiro, matam e apuram depois (…) Em geral, o corporativismo prevalece e raramente policiais são responsabilizados e punidos”, disse Alves à RBA.

De acordo o conselheiro, tudo começou a partir da denúncia de um motorista que “teria pressentido” que os dois jovens na moto poderiam assaltá-lo. Consta do Boletim de Ocorrência que Daniel estava dirigindo a moto e teria apontado uma arma para a viatura. De acordo com os familiares, ele não sabia sequer dirigir nem havia armas no local. Morador do local, Roberto Pinheiros Mendes correu para ver o que estava acontecendo ao ouvir os disparos. Ele relata que os jovens não estavam armados.

Além disso, Roberto afirma que, ao chegar, um policial teria apontado uma arma em direção a seu peito e que, após a retirada dos corpos dos jovens, as viaturas deixaram o local cantando pneus e os policiais apontando os dedos em gestos obscenos. Três dias depois, policiais teriam voltado ao local, às 19h, apontando armas e intimidando moradores e familiares das vítimas.

Violência corporativa

Ariel de Castro Alves teme que casos como esse, não raros em São Paulo, se tornem mais rotineiros. “Pretende-se que antes de qualquer apuração já se considere que os policiais agiram em legítima defesa e em cumprimento do dever, afastando os assassinatos da atuação e investigação policial e judicial”, afirma, sobre a proposta do “excludente de ilicitude” defendida em âmbito federal pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). “Com essas propostas, nem apuração existirá. Será a legitimação do extermínio e do genocídio da juventude pelo Estado”, completa.

O número de mortes em decorrência da intervenção policial, excluindo homicídios dolosos e culposos, totalizaram 454 em 2017 e 477 em 2018. “Os índices de violência e de homicídios praticados por policiais já são crescentes. Com estímulo e assistência judiciária gratuita, serão amplificados ainda mais”, diz Alves, sobre outro incentivo à arbitrariedade, também presente em promessa do governador eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), de pagar “os melhores advogados” para policiais.

“Um discurso irresponsável que estimula os abusos e excessos praticados por policiais. Incompatível com o cargo que ele ocupará, uma espécie de licença para matar subsidiada pelo Estado.” O conselheiro do Condepe explica que a promessa fere a Constituição, que já prevê defesa gratuita para qualquer cidadão que não possa pagar, através da Defensoria Pública. “Pagar advogados, além da Defensoria Pública que já existe, seria ilegal. Todos são iguais perante a lei, é o que afirma a Constituição.”

Para o advogado, ações como essa, além de estimular a violência, fortalecem ainda mais o corporativismo, impedindo punições. “Subliminarmente, pode-se entender: ‘Matem à vontade que garantiremos que não serão punidos’. Policiais já são favorecidos pela existência da Justiça Militar, uma justiça corporativa na qual policiais são processados e julgados, exceto em casos de homicídios. Policiais também já são favorecidos porque quem os investiga são seus próprios colegas, sejam nos inquéritos da Polícia Civil ou nas corregedorias”, completa.

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