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Propostas de Doria para segurança são ineficientes e colocam policiais em risco

Governador eleito afirmou que a partir de janeiro policiais vão “atirar para matar” e que vai garantir “os melhores advogados” para os agentes que matarem em serviço

Governo do Estado de São Paulo

Exaltação à letalidade policial por Doria contraria os manuais da organização

São Paulo – Duas afirmações do governador eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), preocupam especialistas em segurança pública. Segundo ele, a partir de 1º de janeiro, a polícia vai “atirar para matar” e, em consequência, o governo vai garantir “os melhores advogados” para os agentes. “É uma proposta equivocada, que, possivelmente, vai gerar muito mais mortes, não só dos criminosos, mas também dos policiais”, avaliou a coordenadora do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo. Ela considera que a proposta não será eficiente para enfrentar os maiores desafios da segurança pública no estado, como redução e esclarecimento de homicídios e combate ao crime organizado.

A exaltação à letalidade policial por Doria contraria os manuais da organização e a própria política do atual comandante-geral da Polícia Militar, coronel Marcelo Salles, que vem trabalhando para reduzi-la. “Essa ação coloca o policial em risco quando o que a gente precisa é dar mais garantias. Os policiais precisam também de apoio psicológico, assistência social, mais equipamento de segurança, valorização salarial. Isso talvez seja muito mais eficiente para motivar o policial a fazer seu trabalho de segurança”, ponderou Carolina.

O estado de São Paulo tem hoje uma taxa de homicídios de 10,9 por 100 mil habitantes, a menor do país. No entanto, a letalidade policial é a maior desde 2001. Em 2017, foram 927 mortos em ações policiais, o que representa cerca de 20% de todas as mortes em território paulista. “Essa proposta pode ser lida pela tropa como um incentivo”, ponderou Camila, que destacou a falta de propostas do governador eleito justamente no enfrentamento ao crime organizado e na valorização efetiva dos policiais. Para ela, polícia que atua como força militar em conflito não pode ser considerada sinônimo de polícia eficiente.

“Polícia eficiente é aquela que faz um bom patrulhamento preventivo, baseado em dados, chegando em locais com maior incidência de crimes e evitando que novos crimes ocorram. É uma polícia que investiga e esclarece em tempo hábil para conseguir punir, que usa bem a força. A polícia pode precisar atirar, isso faz parte. Se alguém ou o próprio policial estiver correndo risco e não tiver alternativa, ele vai atirar. Mas a boa polícia é aquela que só vai fazer isso em casos extremados”, disse a coordenadora do Instituto Sou da Paz.

Para Fernanda Vallim, coordenadora da ONG Rio de Paz, a garantia de uma defesa para os policiais é bem-vinda, desde que seja utilizada para os agentes que atuam de forma correta. “Essa não deve ser a política de apoio aos policiais em si. É uma proposta aceitável quando temos clareza da situação em que a atuação ocorreu, que o uso da força foi correto. E se também tivermos garantia de que os policiais que fazem mau uso da força serão punidos. Aqueles que usaram da força de forma correta devem sim ter um advogado, mas como uma consequência de um processo sobre uso da força”, afirmou.

Ela ressaltou ainda que os advogados cujos serviços são oferecidos gratuitamente pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) “fazem um trabalho excelente” e que o governador eleito devia se preocupar, por exemplo, com a quase inexistência de apoio psicológico para os policiais. “Ele faz esse tipo de discurso, mas não comenta que o número de suicídios de policiais no estado de São Paulo superou o número de policias que morreram em serviço. Apenas este ano, 26 policiais se mataram. Nós sabemos que o serviço de rua desgasta muito o soldado e dentro dos batalhões não tem um psicólogo de plantão”, afirmou Fernanda.

Para ela também é fundamental, por exemplo, garantir pensão para as famílias dos policiais mortos em serviço, que hoje é restrita aos oficiais. E também melhorar os salários dos agentes, não colocá-los ainda mais em situações de risco desnecessário. “Policiais não são profissionais da violência. São profissionais da segurança pública. Queremos uma polícia cidadã, que respeite as pessoas e aja para conter a violência, não para praticá-la. Combate ao crime não é só repressão, é investigação, inteligência, resolução. Sem isso, só enxuga gelo, prende alguns no varejo e não afeta as estruturas do crime organizado”, afirmou.