Ditadura

MPF reabre investigação para apurar morte de Herzog

Instauração de procedimento foi feita após condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em outro caso, do militante Bacuri, governo apresentou contestação

Divulgação

Exposição sobre Dom Paulo, em São Paulo, expõe caso Vlado e ato ecumênico após sua morte, em 1975

São Paulo – O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) confirmou nesta segunda-feira (6) a retomada das investigações acerca do assassinato, em 1975, do jornalista Vladimir Herzog. O anúncio havia sido feito na semana passada, durante entrevista coletiva para falar da condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Segundo o MPF, a instauração de novo procedimento se baseia em determinações da Corte.

Ainda de acordo com o Ministério Público, a procuradora Ana Letícia Absy já solicitou documentos e informações às comissões estadual e nacional da Verdade, além de diversos órgãos, como o Arquivo Nacional e o Arquivo do Estado de São Paulo. Entre fontes bibliográficas a serem consultadas, está o livro A Casa da Vovó, do jornalista Marcelo Godoy, que fala do DOI-Codi paulista.

O MPF destaca também que, conforme a sentença da Corte, o caso Herzog configura crime contra a humanidade e a Lei de Anistia, de 1979, não pode ser aplicada como razão para o Estado deixar de investigá-lo. “Ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido em 2010 a constitucionalidade da lei, seu teor contraria parâmetros jurídicos internacionais de proteção aos direitos humanos, como os estabelecidos na Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, da qual o Brasil é signatário.”

Vlado morreu em 25 de outubro de 1975, nas dependência do DOI-Codi, na zona sul de São Paulo, onde se apresentara espontaneamente. Morreu horas depois, sob tortura. Agentes forjaram uma versão de suicídio, que acabou desmascarada.

Até hoje, o Ministério Público ajuizou 36 ações contra mais de 50 agentes da ditadura. Apenas duas estão em andamento. “As dificuldades se estendem também à consulta a dados oficiais do regime militar. O MPF já buscou, por exemplo, informações sobre os servidores que atuavam no DOI, mas não conseguiu acesso aos arquivos do governo federal referentes ao período.”

Caso Bacuri

Na semana passada, o governo brasileiro enviou informações à Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o processo relativo a Eduardo Collen Leite, o Bacuri, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), assassinado no final de 1970 após meses de torturas. O governo apresentou a versão de morte em tiroteio.

“O Brasil aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos em 1992 e à Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura em 1989, razão pela qual a Comissão Interamericana de Direitos Humanos não pode utilizar um caso que ocorreu antes, em 1970, para entender que suas normas teriam sido violadas e aplicar eventuais sanções”, afirma, em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU), sobre o caso Bacuri.

Ao aderir à referida convenção, acrescenta a AGU, “o Brasil se comprometeu a adotar medidas efetivas para combater a prática, mas em nenhum momento aceitou que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pudesse examinar supostos casos concretos de violação à convenção”. Ainda segundo o órgão, os recursos administrativos e judiciais internos ainda não se esgotaram, “como é exigido para que o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos possa ser acionado, uma vez que os peticionários poderiam ter ajuizado uma ação civil de reparação de danos e não o fizeram”.

A AGU disse ainda que, “segundo informação do Ministério das Relações Exteriores, a petição de Observações Adicionais do Estado brasileiro foi protocolizada no dia 30 de julho de 2018”.