Criança Feliz

Depois de um ano, programa da gestão Doria/Covas para a infância não deslancha

Problemas enfrentados foram alertados desde o início por profissionais da assistência social. “É um desperdício de tempo, de dinheiro, é totalmente inócuo esse projeto', diz vice-presidenta do Comas

PATRICK GROSNER/MDSA

Em 2017, durante reunião com o então ministro Osmar Terra, Doria afirmou que programa seria adotado ‘de alguma maneira’

São Paulo — Um ano após ser aprovado em sessão tumultuada no Conselho Municipal de Assistência Social de São Paulo (Comas), o programa Criança Feliz ainda é motivo de muita insatisfação e críticas na capital paulista. Criado pelo governo de Michel Temer, o programa teve adesão da gestão do então prefeito e agora candidato a governador João Doria (PSDB), mas enfrenta uma série de problemas metodológicos, técnicos e operacionais para deslanchar.  

Entraves já detectados por membros do Comas. Em 2017, eles recomendaram a não adesão do município ao Criança Feliz, cujo objetivo é ser “uma importante ferramenta para que famílias com crianças de até seis anos ofereçam a seus pequenos ferramentas para promover seu desenvolvimento integral”.

Ao conseguir aprovar o programa no Comas em agosto daquele ano — numa votação marcada por denúncias de ameaças e intimidação — a prefeitura decidiu vincular o Criança Feliz ao Serviço de Assistência Social à Família (Sasf), proposta na época veementemente rechaçada por profissionais do serviço.

“Nossa avaliação continua sendo negativa.Temos recebido muitas denúncias dos Sasf, que já eram deficitários e ficaram mais deficitários ainda”, afirma Darlene Terzi Afonso, vice-presidenta do Comas e, na época, coordenadora da comissão que analisou o termo de adesão ao programa Criança Feliz.  

Ela explica que o Sasf tem como uma de suas atribuições fazer a “busca ativa” de famílias carentes que não sejam atendidas pelos programas sociais, como o Bolsa Família, por exemplo. Porém, o governo de Doria e agora do prefeito Bruno Covas está incluindo nas atribuições do serviço o atendimento às famílias já inseridas nos programas sociais.

“Você acaba tendo sobreposição de serviço, fazendo um cadastro para ‘inglês ver’. Estão fazendo esse atendimento para justificar uma verba que a gente não sabe onde foi gasta. É uma sobreposição de trabalho. Não foi colocado nenhum aditivo financeiro e nem de pessoal”, critica Darlene Terzi, reforçando que, enquanto as equipes dos Sasf estão tendo que visitar uma família já beneficiária dos programas sociais para apresentar o Criança Feliz, outra família carente fora da rede de proteção está sendo deixada de lado. “Para onde está indo esse dinheiro?”, questiona a vice-presidenta do Comas. 

Em fevereiro deste ano, ao completar seis meses da implementação do programa, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) afirmou, em nota, que a prefeitura de São Paulo recebeu R$ 1,8 milhão de repasse do governo federal, mas o recurso ainda não havia sido gasto. Agora, ao completar um ano, a Smads explica que a prestação de contas relativa ao ano de 2018 será feita somente em 2019. 

“O repasse mensal é de R$ 351 mil durante o exercício de 2018. Até o momento foram repassados R$ 3,132 milhões. A prestação de contas é feita no ano seguinte da utilização dos recursos. Como o município de São Paulo recebeu os valores neste ano corrente, somente terá que prestar contas no ano de 2019”, explica a gestão do prefeito Bruno Covas. 

Capacitação deficitária 

Segundo a Smads, desde que foi aprovado pelo Comas, em agosto de 2017, até maio deste ano, a implementação do programa Criança Feliz em São Paulo passou por uma série de etapas de capacitação dos profissionais dos Sasf e agentes multiplicadores, incluindo “mapeamento e cenário da Capital, desenho e fluxo de operação do programa”, organização e operacionalização dos trabalhos nos territórios, e a fixação da meta de atender 5.400 crianças e gestantes. “Finalmente em julho, teve início o monitoramento das ações realizadas nos territórios pela secretaria”, explica a prefeitura.

O longo tempo de capacitação e planejamento, entretanto, também é motivo de críticas e insatisfação dos profissionais da assistência social. Para a conselheira Darlene Terzi Afonso, é um “absurdo” acreditar que “alguém com capacitação de 90 dias vai conseguir ajudar e estimular crianças” a terem mais chances de desenvolvimento. A vice-presidenta do Comas defende que tais atribuições sejam feitas por profissionais da assistência social. 

“É um desperdício de tempo, de dinheiro, é totalmente inócuo esse projeto. Temos várias outras políticas que também não funcionam a contento, mas a assistência social poderia melhorar qualificando os serviços que já existem”, pondera Darlene.

Assim como a vice-presidenta do Comas, uma gerente de um Sasf da zona leste de São Paulo, que prefere manter anonimato para não sofrer represálias, diz que o programa Criança Feliz até poderia ser “maravilhoso”, mas tem muitos problemas. Segundo ela, as capacitações deixaram a desejar: informações dadas em uma turma de técnicos divergiam daquelas ditas em outra, dúvidas não eram respondidas e não houve aprofundamento na metodologia. 

A vida como ela é

A realidade do dia a dia no território é outro aspecto problemático. O programa Criança Feliz estipula quatro visitas mensais (uma por semana) às famílias beneficiárias, porém, tem sido comum os técnicos gastarem horas no deslocamento até a casa e, ao chegarem, a criança estar na creche ou em outro lugar, assim como a gestante.

A própria procura pelas famílias que se enquadram no programa, a chamada “busca ativa”, tem sido difícil, com falta de informações por parte das secretarias de Assistência Social e da Saúde que poderiam auxiliar nesta busca. De acordo com a gerente, ao solicitar dados de gestantes no território em que atua, teve como resposta da área de supervisão da secretaria da Saúde que as informações não poderiam ser repassadas porque o departamento desconhecia o programa Criança Feliz.  

Com a meta de cadastrar 100 indivíduos até o final do mês de agosto, o Sasf que ela gerencia conseguiu, até o momento, incluir menos da metade deste total. Apesar do empenho dos orientadores, a gerente acredita que dificilmente a meta será cumprida. No município, o objetivo é cadastrar 5,4 mil pessoas, porém, segundo a Smads, até agora foram atendidas 1.326. 

O público prioritário do programa Criança Feliz engloba gestantes, crianças de 0 a 36 meses de idade e suas famílias beneficiárias do Bolsa Família, e crianças de 0 a 72 meses de idade e suas famílias beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC). 

Na avaliação da gerente, a dinâmica da vida em São Paulo é muito diferente de uma cidade do interior e isto não foi levado em conta pelo governo de João Doria/Bruno Covas ao aderir ao programa. Da mesma forma que a vice-presidenta do Comas, a gerente do Sasf também destaca a inclusão de mais uma demanda sem a devida reestruturação do serviço como um fator problemático. Questões práticas que, desde o início, foram observadas pelos profissionais da assistência social.

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