São Paulo

Gestão Covas traz plano cicloviário vago e mal explicado, dizem especialistas

'É estranho uma apresentação tão sem conteúdo, desconsiderando tudo o que já foi implantado pela CET. Por que as ciclovias atuais não estão no plano?', questiona especialista

LEON RODRIGUES/SECOM

Octaviano apresentou as diretrizes do plano cicloviário e minimizou críticas de falta de diálogo sobre a proposta

São Paulo – O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), e o secretário Municipal de Mobilidade e Transportes, João Octaviano Machado Neto, lançaram hoje (3) um novo Plano Cicloviário para a capital paulista. Vago, sem definição de infraestrutura, prazos e valores, o plano é na verdade um conjunto de diretrizes com o objetivo de construir mais 1.420 quilômetros de vias cicláveis até 2028.

E que ou repete, ou contradiz definições estabelecidas no Plano Municipal de Mobilidade (PlanMob), elaborado em 2015. Aline Cavalcante, diretora de participação da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), considerou a proposta “megalomaníaca” e “sem conexão com a realidade”.

“Não se trata de plano, mas de uma proposta de plano. Vamos debater com a população, com os especialistas, na Câmara Temática da Bicicleta. Não queremos discutir quantos quilômetros terá, mas quantas pessoas vão utilizar. Queremos dar segurança, conectividade, eficiência e racionalidade ao sistema”, explicou Covas.

O prefeito anunciou a realização de uma reunião extraordinária da Câmara para debater a proposta, no dia 14 de agosto, e audiências nas prefeituras regionais.

Embora anuncie a intenção de dialogar, a gestão Covas barrou a entrada de ciclistas na coletiva de anúncio da proposta. Mesmo os membros da Câmara, que na prática são conselheiros da prefeitura, foram impedidos de acompanhar o evento. Além disso, no dia 27, eles publicaram uma carta pedindo que a gestão apresentasse o plano na reunião realizada na quarta-feira (1), antes da apresentação à imprensa, o que não ocorreu. “Mandaram dois técnicos que não conheciam o tema e eles nos disseram que ainda não havia plano”, disse Aline.

“Desde o começo está tudo muito mal explicado. Diferente do que o secretário disse hoje na coletiva, não teve participação nenhuma. Isso nunca foi levado nas Câmaras Técnicas. Isso nunca foi conversado com os ciclistas. Estamos a dois meses tentando conversar com eles, com reuniões desmarcadas, com dificuldade pra saber o que é esse plano cicloviário. A primeira impressão é de que parece um plano magelomaníaco, alienígena. Completamente desconectado do PLanMob que já é uma política de Estado, aprovada, discutida exaustivamente com a sociedade e que tem metas até 2030”, afirmou a diretora da Ciclocidade.

Covas e Octaviano reiteraram críticas à gestão Haddad, que segundo eles “não planejou” as ciclovias e ciclofaixas e as fez “como quem joga orégano na pizza, de forma pulverizada”. Covas também justificou a não execução do orçamento para manutenção de ciclovias e ciclofaixas de 2017 e 2018 dizendo que “o gasto não poderia ocorrer antes de saber o que se quer fazer”.

“Isso é muito mentira. Ficar afirmando que não teve planejamento é um desrespeito com os cidadãos. Nós tínhamos reuniões semanais com a prefeitura para criar esse planejamento. É óbvio que não saiu perfeito. Toda política pública nasce com problemas e tem adaptações com o decorrer do tempo. Dizer que foi ‘oregano na pizza’ desrespeita inclusive o nosso tempo dedicado a construir essa política. Foram muitas audiências públicas, reuniões na secretaria, reuniões nas regiões da cidade”, criticou Aline.

Segundo Octaviano, o objetivo do plano é “transformar São Paulo na capital brasileira da bicicleta”. Hoje, a cidade tem 497 quilômetros de vias cicláveis, sendo 400 destes efetivados na gestão de Fernando Haddad (PT). A proposta é chegar a 1.917 quilômetros até o ano de 2.028. A rede será composta de um minianel viário no contorno da região do chamado centro expandido, uma rótula na região central, seis eixos regionais (leste, norte, sul, oeste, sudoeste e sudeste), além das vias locais e regionais. As rotas serão articuladas com terminais de ônibus e estações de trem e metrô.

Os ciclistas classificam proposta de anéis como incabível, que remete à lógica de uso do carro, que precisa desviar de caminhos congestionados. Além disso, os eixos serão vias únicas em regiões imensas, que os tornariam caros demais, quando o mais importante é garantir a segurança ao ciclista no maior número de vias.

“Não se trata apenas de ligar a periferia no centro. A periferia precisa de estrutura, acalmamento do tráfego e fiscalização para circular com segurança nela mesma. Tem muito uso local da bicicleta. A gente nunca ouviu falar [dos anéis] e não sabemos quem foram os técnicos que apoiaram esse plano”, acrescentou Aline.

RBA
Mapa com os eixos e os anéis viários, considerados pelos ciclistas uma proposta megalomaníaca da gestão Covas

A proposta será regionalizada, com cada prefeitura regional definindo as vias que receberão a intervenção, o modelo – ciclovia, ciclofaixa ou ciclorrota – entre outras definições. A gestão Covas pretende realizar atividades de “fomento á cultura das bicicletas”, para que a população compreenda o modal e sua importância para cidade. As vias serão divididas em: Estruturais, com predominância de ciclovias; Regionais, onde haverá preferência por ciclofaixas; e, no caso das vias locais, a preferência será por ciclorrotas.

A ciclovia é uma via separada fisicamente para o tráfego de bicicletas, isolada dos demais veículos, cuja separação se dá por meio fio, grade, muretas, blocos de concreto ou outros tipos de isolamento fixo. A ciclofaixa é um trecho compartilhado na mesma via, com separação feita com uma faixa pintada no chão, utilizando como divisores os “olhos de gato” ou “tartarugas”. Já a ciclorrota é um caminho sinalizado, mas com veículos e bicicletas circulando juntos. 

A gestão não definiu quantos quilômetros serão realizados em cada modelo, prazos intermediários, nem o custo estimado das obras. Algumas intervenções estão programadas para o segundo semestre deste ano, como a implantação de um ciclofaixa na Rua Costa Carvalho até o Terminal Pinheiros, na zona oeste; a substituição de uma ciclofaixa por ciclorrota na rua Lopes de Azevedo; e o projeto de uma ciclovia conectando a região central da cidade à zona norte. O secretário disse que a gestão tem R$ 30 milhões para investir nessas ações.

Essa verba, no entanto, faz parte do montante destinado à manutenção da rede cicloviária existente, que está abandonada desde o início da gestão do ex-prefeito e pré-candidato ao governo paulista, João Doria (PSDB). “Temos 468km de uma estrutura cicloviária que está capenga, apagando. Eles não tiveram capacidade de usar esse dinheiro para fazer a manutenção do que existe e querem que nós acreditemos que vai usar esse dinheiro para fazer esse novo plano?”, questionou Aline.

Os ciclistas temem ainda que o plano seja apenas uma “cortina de fumaça”, para que sejam apagados trechos de ciclovias na cidade com a justificativa de “melhorar a estrutura”. “É estranho uma apresentação tão simples, vazia e sem conteúdo, desconsiderando tudo o que já foi implantado pela CET. Porque as ciclovias atuais não estão no plano? E se as audiências não derem conta de mencionar e reincluir todas elas?”, ponderou Rafael Calabria, especialista em Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).  

Também há a desconfiança por parte dos ciclistas de que o documento sirva apenas para responder ao Ministério Público, que tem um inquérito civil aberto e exige da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) o plano de ciclovias.

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