50 anos

A história de 1968 do ponto de vista dos trabalhadores

Centro de Memória Sindical lança nesta quinta-feira (30) revista com depoimentos de José Dirceu, Luiz Gonzaga Belluzzo, Vital Nolasco e Raimundo Pereira, entre outros

Divulgação

Com quase 100 páginas, revista traz análises e depoimentos de personagens da época

São Paulo – Se 1968 não terminou, também começou em outras datas, com seus antecedentes políticos e econômicos, que são discutidos na revista “1968 e os Trabalhadores”, que será lançada em evento na tarde desta quinta-feira (30). Com quase 100 páginas e elaborada pelo Centro de Memória Sindical, a publicação traz reflexões de personagens da época, como o então líder estudantil José Dirceu, o sindicalista Vital Nolasco, o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira e o intelectual Luiz Gonzaga Belluzzo.

A revista procura abordar o sempre lembrado ano de 1968 em diversos aspectos. Belluzzo, por exemplo, trata da economia brasileira e mundial no período anterior e posterior ao golpe de 1964. E lembra que o governo popular chegou a ter apoio popular em certo momento, pelo desempenho da economia, com crescimento, até o fim do chamado “milagre”, na primeira metade da década de 1970. “Havia um debate muito grande sobre distribuição de renda”, lembra.

O ativista e ex-senador italiano José Luiz del Roio observa que, ainda em 1964, os sindicatos organizaram uma entidade nacional, o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), dissolvido imediatamente após o golpe, que para ele tem um caráter claro: “É um golpe de classe, contra a classe trabalhadora”. 

A partir de 1966, diz ele, começa “uma série de movimentos democráticos”, de reação da sociedade no Brasil, surgem as guerras de libertação das colônias portuguesas, o movimento na Argélia contra a dominação francesa, a ação de Che Guevara pela América Latina, protestos nos Estados Unidos contra a guerra do Vietnã.

Em São Paulo, em 1967, surge o Movimento Intersindical Antiarrocho (MIA), e as ações sindicais ganham força e explicitam também uma divisão – como se viu no 1º de Maio de 1968, na Praça da Sé. Esse episódio, mais as greves de metalúrgicos em Contagem (MG) e Osasco (SP) “e as complicações dentro da ditadura é que vão levar ao AI-5”, avalia del Roio, sobre o ato institucional de 13 de dezembro que iniciou o período mais violento da ditadura.

Ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte, Vital Nolasco lembra de histórias da greve de Contagem, em abril de 1968. “Havia a idealização de que a gente ia botar a ditadura abaixo. (…) A gente queria ‘botar pra quebrar'”, conta. A revista traz também um depoimento de 2012 de José Ibrahim, líder da greve de Osasco, em julho daquele ano. Ele morreu um dia depois do 1º de maio de 2013, aos 66 anos.

O consultor sindical João Guilherme Vargas Netto, que em 1968 era dirigente do PCB da Guanabara (estado separado do Rio de Janeiro), afirma que aquele ano não pode ser visto do ponto de vista do AI-5. “Foi um ano de grandes realizações, em termos, por exemplo, de articulação política, de reforço de mandatos e, ao mesmo tempo de reação da ditadura.” Ele recorda movimentos como o do restaurante Calabouço, que levou à morte do estudante Edson Luís, em março, e a Passeata dos 100 mil, em junho. 

Em oito páginas, José Dirceu – que deverá estar presente ao lançamento da revista, hoje – fala de sua formação política e de sua militância no movimento estudantil, lembrando, por exemplo, do congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna, interior paulista, que terminou com todos presos. “Nós tentamos fazer o congresso o mais rápido possível. Ficamos sabendo antes que a tropa estava indo para cercar e optamos por não sair, porque os dirigentes poderiam ter saído, os principais líderes. (…) O problema é que todo mundo foi fichado. (…) Mas o congresso de Ibiúna, por outro lado, marca a força que tinha o movimento estudantil.”

Dirceu conta sobre sua prisão, de 12 de outubro de 1968 a 7 de setembro de 1969, quando deixa o Brasil como um dos militantes soltos em troca da libertação do embaixador norte-americano Charles Elbrick. Lembra que fez treinamento militar em Cuba mais “por dever de ofício” do que por paixão, que era a política. E encerra seu depoimento com uma reflexão sobre o momento atual do país. “Por um lado, nós temos condições muito superiores. (…) Por outro lado, nós vivemos uma situação muito pior porque o país está dominado. A burguesia brasileira industrial deixou de ser agente política. Não tem projeto político. Quem pode ter projeto político no Brasil hoje são as classes populares, porque as elites estão controlados pelo capital bancário, pelo rentismo.”

“A história, da forma como é abordada na revista, é uma importante ferramenta para compreender o presente da vida política e social, as raízes dos embates ideológicos e os contrastes entre o campo progressista e os projetos retrógrados de poder”, diz a jornalista Carolina Maria Ruy, coordenadora do Centro de Memória Sindical.

 

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