Em São Paulo

Vereador apresenta projeto que ‘defende’ maus motoristas da fiscalização

Fábio Riva (PSDB) quer que a prefeitura realize aferição de todos os radares da cidade a cada dois meses, quando o Inmetro dá prazo de 12 meses, e que haja sinalização do local onde está o radar

Danilo Verpa/Folhapress

Projeto dificultaria a aplicação de multas ao criar empecilhos na manutenção do sistema de fiscalização

São Paulo – O Projeto de Lei 200/2018, proposto pelo vereador Fábio Riva (PSDB) no final de abril, pode inviabilizar a fiscalização por radares nas ruas e avenidas da capital paulista. Essa é a avaliação de especialistas e ativistas em mobilidade urbana ouvidos pela RBA. O PL determina que haja sinalização do local onde está o radar e sejam feitas aferições bimestrais para garantir que o equipamento esteja calibrado. No entanto, a proposta contraria as normas do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), além de estabelecer regras que já existem, como a margem de erro de 7% para mais na velocidade verificada. Na justificativa do projeto, Riva argumenta que é preciso “evitar distorções quando da emissão de multas”.

Para o gerente técnico do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), Renato Campestrini, o projeto não deve sequer ser discutido, por ser inconstitucional. “Compete somente à União legislar sobre trânsito. O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) definiu essas questões na resolução 396/2011. Não tem obrigação de placa para indicar radar. O que tem de ter é a placa de limite de velocidade e o condutor deve respeitá-la a todo momento”, afirmou.

Campestrini ressaltou que a aprovação do projeto pode ser um desastre em termos de segurança no trânsito. “O que vai acontecer? O motorista vai frear somente próximo do radar. E vamos continuar tendo índices terríveis de acidentes, essa carnificina que é o trânsito brasileiro”, afirmou. “A sociedade aplaude essa medida porque entende que a ação da multa é apenas arrecadar, quando a função dela é educar, conscientizar. Não tem arrecadação”, completou.

Como exemplo, o gerente do observatório destacou que a aplicação de multas no país inteiro, em 2016, correspondeu ao montante de R$ 10 bilhões. No entanto, cerca de 30% dos veículos não possuem documentação atualizada, o que reduz a efetiva punição dos condutores. “As estatísticas apontam que ao menos 50% da ocupação de leitos hospitalares se dão por acidentes de trânsito. O Brasil gasta R$ 52 bilhões ao ano. Ficam se criando essas brechas e não se mostra a realidade trânsito brasileiro que mata, lota hospitais, trava o sistema de saúde”, afirmou.

Além disso, a prefeitura de São Paulo também precisa manter o próprio sistema de fiscalização e a engenharia de tráfego. Em 2017, foram investidos cerca de R$ 700 milhões nessa área. E a arrecadação de multas ficou em R$ 1,8 bilhões. A capital paulista tem atualmente 901 radares, sendo 727 fixos, 160 lombadas eletrônicas e 14 portáteis.

Meli Malatesta, conselheira municipal de Trânsito e Transporte da capital paulista, ressaltou que a multa tem por objetivo fazer um processo educacional a partir de uma situação em que não é possível agir apenas com diálogo. “Não tem como parar um cidadão andando a 180 km/h e dizer para ele ‘cidadão, não trafegue acima da velocidade permitida’. Ele vai levar a multa e aprender no bolso que precisa cuidar da vida dele e dos outros”, disse. “Isso não foi inventado no Brasil, funciona no mundo todo. O europeu, o norte americano, eles não reduziram os acidentes de trânsito porque são civilizados, geniais ou bem educados. É porque eles foram muito multados”, completou.

A Resolução 396/2011 também define o prazo de verificação metrológica para calibragem dos radares. E o prazo de 12 meses foi definido pelo próprio Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro). “Aferição a cada dois meses é uma tentativa de inviabilizar a atuação da fiscalização. É um número muito alto, que vai implicar em maiores custos e pode inviabilizar a instalação de equipamentos. A cobertura da cidade ainda é muito baixa. Tem muitas áreas que não contam com qualquer fiscalização”, ressaltou a diretora da Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo (Cidadeapé) Ana Carolina Nunes.

Ana Carolina lembrou que aproximadamente 75% das multas são aplicadas por radares e 25% por agentes. Mas o sistema eletrônico registra uma parcela muito pequena das infrações, como excesso de velocidade, rodízio, avanço de sinal e transitar em faixa exclusiva. “O que tem de fiscalização hoje é pouquíssimo perto do que a gente precisaria. Existem pesquisas indicando que se registra uma parcela muito pequena de todas as infrações cometidas na cidade. E um projeto desses dá a entender que existe mais autuação do que deveria”, criticou.

A pesquisa referida foi realizada pelo engenheiro de transportes Horácio Figueira, em parceria com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), em 2015. Analisando 20 cruzamentos da cidade, o estudo registrou que um em cada dois motoristas comete alguma infração de trânsito. No entanto, comparando o verificado com as multas aplicadas pela companhia, percebeu-se que apenas uma multa é aplicada a cada 4.416 infrações cometidas.

“As regiões periféricas são onde ocorre grande parte dos acidentes, porque não tem infraestrutura básica, faixa de pedestre, semáforo. Enquanto a cidade deveria estar pensando em dispositivos de acalmamento de tráfego, que fizessem os motoristas andarem mais atentos, fazer a fiscalização chegar onde ela não chega, aparece um projeto de lei que diz que devemos proteger os motoristas da fiscalização”, argumentou a diretora da Cidadeapé.

Ana Carolina também avaliou que o projeto pode instituir um cenário mais amplo de insegurança jurídica, facilitando o cancelamento de multas. “Hoje as pessoas já sabem onde está o radar. Seja por aplicativos ou mapeamento colaborativo. O problema é que uma norma assim vai servir para uma disputa judicial sobre a multa. Vai apoiar argumento de que não viu a placa, para justificar o que as pessoas fazem. Fica parecendo que as falhas são sem querer”, afirmou. 

Em relação ao projeto, a CET informou “já sinaliza as vias que contam com fiscalização eletrônica. Os locais de fiscalização também são divulgados no site da CET (www.cetsp.com.br) e publicados no Diário da Cidade de São Paulo”.

Em nota, o vereador Fábio Riva informou que “a iniciativa de dar publicidade sobre a localização dos radares vai ao encontro dos princípios saudáveis da transparência na administração pública e evita a distorção na finalidade dos sistemas de radar, que deve ser sempre a educação, a segurança é a educação de trânsito, e não o abuso arrecadatório através da punição”.

“A iniciativa conta com o benefício adicional de se permitir a avaliação contínua da eficácia dos equipamentos na redução dos índices de acidentes no trânsito em cada via no qual está instalado ou em operação. Destacamos que o processo legislativo é um processo dinâmico, aberto e democrático, e que todas as sugestões são bem vindas no sentido de aprimorar a proposta, o gabinete está a disposição dos especialistas consultados, é de nosso interesse conhecer e nos apropriarmos de estudos ou levantamentos que tratam do tema”, diz o texto.

Leia também

Últimas notícias