Que país é este?

Ivo Herzog: pelo futuro, é preciso reconhecer erros do passado

Filho de Vlado pediu audiência a chefes do Executivo, Legislativo e Judiciário para saber a posição institucional do país sobre o caso. 'A gente quer ter orgulho do nosso país'

© Defesa TV/youtube/reprodução

Ivo Herzog discorda que a Lei de Anistia, de 1979, foi resultado de um consenso. ‘Não houve duas partes. A lei não tem legitimidade. Essa pseudo-lei tem sido o grande diploma da impunidade dos agentes do Estado’

São Paulo – “Esta história começou aqui, a menos de 50 metros”, diz Ivo Herzog, apontando para o lado de fora do auditório do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, gestora da TV Cultura, onde seu pai trabalhava, como chefe da área de jornalismo. A redação, do outro lado do pátio, leva hoje o nome de Vladimir Herzog. Na noite de 24 de outubro de 1975, uma sexta-feira, agentes foram até a Cultura para levá-lo a interrogatório. Depois de várias gestões, ele se comprometeu a apresentar-se no DOI-Codi – onde atualmente funciona o 36º DP –, na manhã seguinte. Chegou lá por volta das 8h, conforme combinado. À morte sob tortura, seguiu-se uma tentativa do II Exército de convencer que ele se suicidara, uma versão desmontada rapidamente. Quase 43 anos depois, com a sentença da Corte Interamericana, um ciclo parece se fechar.

Ao lado de uma tela onde aparece uma imagem do pai, Ivo critica a postura “covarde” do Estado durante o processo internacional. “Chamei o Estado brasileiro para dialogar, e isso foi usado contra nós durante o processo.” Ele conta que, inicialmente, não queria recorrer à Corte Interamericana. “Claro, a gente quer justiça. Mas não é um caso de reviver o passado, mas querer um futuro melhor. O que acontece hoje é resultado do passado”, diz, afirmando em seguida que apenas em 2017 agentes do Estado mataram 900 pessoas no estado de São Paulo.

Ele conta que foram feitos vários pedidos de audiência, com a presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, os presidentes da Câmara e do Senado e com o próprio Michel Temer, para saber a posição de cada um sobre o caso Herzog e a sentença da Corte Interamericana. “Essa leitura política é muito importante para entender em que país estamos.”

À frente do Instituto Vladimir Herzog, Ivo também refuta a argumentação recorrente de que a Lei de Anistia, de 1979, foi resultado de um consenso. “Não houve duas partes. A lei não tem legitimidade. Essa pseudo-lei tem sido o grande diploma da impunidade dos agentes do Estado.”

Clarice fala rapidamente. “Estamos vivendo uma situação horrível. Não podemos deixar que aconteça outra vez.”

Ivo tinha 9 anos quando seu pai morreu. Seu irmão André, 7. Ele conta que seus pais foram trabalhar em Londres em 1968 e estavam lá quando a ditadura criou o AI-5. Ouviram recomendações para não voltar ao Brasil. Mas, segundo Ivo, Vlado respondeu que aquele era mais um motivo para ele voltar, porque aquele era o seu país. “A gente quer ter orgulho do nosso país. Das Forças Armadas, do Judiciário, do Executivo, do Legislativo.”

Ele lamenta que, até hoje, as Forças Armadas não tenham feito um mea-culpa em relação ao caso. “Eles continuam pensando como há 40 anos?”, questiona. “Essa sentença é uma porta que se abre”, afirma, sob os olhares do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Direitos Humanos José Gregori, do jornalista Sérgio Gomes, do ex-deputado Adriano Diogo, Laura Petit, Criméia Almeida, personagens do período e ativistas em busca de memória e justiça.

Ivo conta que há cerca de um mês participou de debate em uma escola e um dos estudantes defendeu “de forma bem elaborada” a ditadura, afirmando, entre outras coisas, que não havia corrupção naquele período. Ele cita casos como os de Itaipu e da Ponte Rio-Niterói, entre outros, que não podiam vir a público. Também fala da atual epidemia de febre amarela e lembra que, na primeira metade dos anos 1970, não se podia falar da meningite que já matava muitos em São Paulo.

Sem citar o nome do deputado Jair Bolsonaro, que chamou de “ser abominável”, o filho de Vladimir Herzog fez menção a declaração recente do candidato do PSL à Presidência, segundo quem “suicídios acontecem”, reforçando a versão militar para o que aconteceu com o jornalista em 1975. “Não podemos mais brincar. Este é um país sério. Foi uma frase extremamente ofensiva para as famílias, desrespeitosa.” O candidato participaria, ainda ontem, da programa Roda Viva, exatamente na TV Cultura. 

Em outro trecho da sentença, a Corte determina que o Estado promova “um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelos fatos do presente caso, em desagravo à memória de Vladimir Herzog e à falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis por sua tortura e morte”.

 

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