Esperança

Novo relatório pode embasar federalização dos crimes de maio

Documento organizado pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp reúne resultados de análises dos casos e reafirma falta de investigações, indícios de execuções e extermínio

Caio Castor CC (2015)

Débora Maria Silva, do Movimento Independente Mães de Maio: ‘Nossos filhos tinham nome e sobrenome, mas o Estado chama eles de ‘suspeitos’

São Paulo – O relatório final do projeto “Violência de Estado no Brasil – Uma Análise dos Crimes de Maio”, mais uma vez reafirma a ação de extermínio e a ausência total de investigações em 60 assassinatos ocorridos na semana de 12 a 20 de maio de 2006, quando as forças de segurança e grupos de extermínio promoveram execuções em massa no litoral paulista e na Região Metropolitana de São Paulo.

O documento é organizado pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pelo Movimento Independente Mães de Maio. Compila uma série de estudos realizados antes e também análises do próprio grupo de antropologia e arqueologia forense. O relatório trata como evidentes as execuções praticadas.

A maior parte dos tiros atingiu a cabeça ou o peito das vítimas, em curta distância e de cima para baixo. No entanto, todos os casos – entre 500 e 600 pessoas mortas em dez dias – foram arquivados a pedido do Ministério Público meses depois, sem apontar a autoria dos assassinos. 

Além disso, o documento apresenta relatos de familiares e testemunhas, que indicam ações por parte de grupos mascarados, utilizando motos ou carros. Os casos foram seguidos de chegada rápida da Polícia Militar, que invariavelmente removeu os corpos ou alterou as cenas de crimes. Há ainda casos em que os próprios agentes foram responsáveis pelos homicídios. 

Embora não traga, necessariamente, informações novas, a compilação do material será apresentada à Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Familiares de vítimas e grupos de defesa dos direitos humanos apresentaram denúncias nesses espaços. Na PGR foi pedida, em 2010, a federalização dos casos, retirando as investigações arquivadas da responsabilidade do MP paulista. Na corte interamericana, foi pedida a condenação do Brasil por violação de direitos humanos.

Javier Amadeo, coordenador do projeto Violência de Estado no Brasil, espera que o documento sirva de base para a efetivação do pedido de federalização dos crimes de maio.

“Este é um documento de cobrança ao Estado brasileiro pela necessidade de reabertura dos casos. Antes de alegar que não existem fatos novos, é preciso investigar aqueles que já existem e não foram apurados”, afirmou Amadeo, referindo-se à reiterada justificativa do MP paulista para manter o arquivamento dos casos.

Amadeo lembrou ainda que a atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi uma das autoras do pedido de federalização e que isso deve ser considerado. “Até por coerência em sua atuação na defesa dos direitos humanos acreditamos que a procuradora deva aceitar o pedido de federalização”, completou. 

Para coordenadora do Movimento Independente Mães de Maio, Débora Maria Silva, há uma grande esperança de que os crimes comecem a ser investigados de verdade. “É muito gratificante quando a gente consegue uma pesquisa para contar, com os familiares, a verdadeira história dos crimes ocorridos na baixada santista. É como se estivesse ressuscitando nossos filhos. Eles tinham nome e sobrenome, mas o Estado chama eles de ‘suspeitos'”, afirmou.

Entre as recomendações do relatório estão a federalização dos casos, o pagamento de danos morais e materiais aos familiares das vítimas, um pedido público e formal de desculpas às vítimas, a construção de um monumento na cidade de Santos e a criação de normas administrativas e legislativas que determinem a investigação de execuções sumárias.

Hoje, casos considerados “resistência seguida de morte” são arquivados sumariamente. A designação é uma evolução do termo auto de resistência, mas que nada mudou a situação de crimes praticados por agentes do Estado.

Das 60 vítimas que tiveram os casos analisados, 42% eram do Guarujá, 25% de Santos, 20% de São Vicente e o restante das demais cidades do litoral. Foram 53 civis e 7 agentes de segurança mortos. Os policiais morreram nos primeiros dias e os civis nos sete seguintes, o que indica, segundo o estudo, uma situação de vingança. A maioria absoluta das vítimas era de homens, dos quais 74% tinham até 29 anos.

Foram registrados 255 disparos nos 53 civis, sendo 41 deles atingidos na cabeça. Do total de tiros, 32% atingiram a cabeça e 30% o tórax.

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