Sabores e sotaques

MST: produção de alimentos saudáveis contra as monoculturas do agronegócio

Feira da Reforma Agrária, que vai de hoje (3) a domingo em São Paulo, mostra diversidade e qualidade da produção de assentamentos e acampamentos

São 350 toneladas de 1.100 tipos de produtos, das cinco regiões brasileiras <span>(José Eduardo Bernardes/Brasil de Fato)</span>Produtos vindos das cinco regiões brasileiras, entre in natura e da agroindústria <span>(Brasil de Fato)</span>Tem produtos para levara para casa e também para saborear no local <span>(Brasil de Fato)</span>Evento vai até domingo no Parque da Água Branca, em São Paulo <span>(Brasil de Fato)</span>

São Paulo – Mais do que comercializar itens de todo o país, a terceira edição da Feira Nacional da Reforma Agrária, que começou nesta quinta-feira (3) em São Paulo, espera fomentar o debate sobre outro modelo de organização e produção no campo, em contraposição ao agronegócio.

“A sociedade também deve assumir a defesa da produção de alimentos saudáveis. Tem de ser um direito garantido a todos”, diz Débora Nunes, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Do ponto de vista da diversidade, é talvez a maior feira do Brasil”, acrescenta João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do movimento.

Até domingo (6), das 8h às 20h, quase mil trabalhadores estarão oferecendo 350 toneladas de alimentos e 1.100 produtos – in natura e industrializados – de assentados e acampados em 23 estados e no Distrito Federal, em uma mistura de sabores e sotaques que se espalha por galpões do Parque da Água Branca, na zona oeste paulistana. Uma amostra de uma produção concentrada em 8 milhões de hectares pelo país. “E produzimos muito mais do que o agronegócio com seus 60 milhões de hectares, não tenho dúvida disso”, diz João Paulo.

São 1.100 produtos contra cinco, acrescenta o dirigente do MST. “O que nos diferencia do agronegócio? Tudo. Eles não levam em consideração o agricultor, o meio ambiente e o consumidor. É um modelo de negócio, com grandes empresas transnacionais”, afirma, lembrando que o agronegócio recebe ainda recursos em volume bem maior que os destinados à reforma agrária.

Quem for à feira encontrará, de um lado, uma área com produtos como arroz, feijão, leite, queijo, frutas, farinha, mel, doces, café, sementes, batata, cacau e mais um sem-número de itens. Boa parte da produção já é orgânica. A prioridade por alimentos saudáveis foi estabelecida no 6º Congresso do MST – em 2014, quando o movimento completou 30 anos –, o que representou “uma mudança radical”, segundo João Paulo. A partir dali se iniciou um processo de reorganização da produção. “É uma feira que vem com o carimbo da agroecologia.”

O país tem dois modelos, analisa o dirigente do MST: “O agronegócio, que produz commodities para exportação, e a agricultura familiar“. Segundo ele, são aproximadamente 1,1 milhão de famílias assentadas no Brasil, 400 mil ligadas ao movimento, em 1.226 municípios e nos já citados 8 milhões de hectares. Por volta de 1% da área nacional nas mãos de camponeses, destaca João Paulo, ressaltando ainda a importância do evento “num momento bastante conturbado da política”. “É uma forma de combinar o protesto da classe trabalhadora e uma prestação de contas à sociedade.”

Diálogo contra o ódio

Os dirigentes do MST apontam retrocessos desde o impeachment de Dilma Rousseff, há quase dois anos. “Os números da reforma agrária são terríveis. Dois anos sem assentamento, só algumas áreas que já estavam programadas em 2016”, lembra João Paulo. E Débora cita iniciativas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), “praticamente extinto” pelo governo Temer. A assistência técnica foi outra área atingida.

O desmonte afetou também o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que até 2016 formou 180 mil alunos. “Tem uma turma de 50 alunos para se formar em Goiás e não tem comida para eles, não tem um centavo para concluir o curso”, relata João Paulo. Algumas medidas, que ele chama de “pacote de maldades”, foram barradas com resistência acrescenta, como a entrega de terras para estrangeiros e a liberação de alguns transgênicos. “Nem todas eles conseguiram ganhar.” A implementação da reforma da Previdência, por exemplo, seria “uma tragédia” para o trabalhador do campo, afirma o dirigente.

A desatenção com o campo também provoca aumento de violência, afirma o MST, ao destacar que desde o ano passado pelo menos 107 pessoas foram assassinadas, conforme dados da Comissão Pastoral da Terra. “É uma situação alarmante”, diz João Paulo, ao falar da “crise democrática” e da “onda de ódio” pelo país, para destacar novamente a importância do evento que começou hoje. “A feira vem no sentido inverso, para nós dialogarmos com a sociedade.”

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