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Culpar as vítimas do desabamento em São Paulo é ‘desfaçatez’, diz Ermínia Maricato

Para a professora e urbanista, cortes em programas sociais e privilégios concedidos ao mercado imobiliário só aumentam o déficit de moradia e a desigualdade no país

Rovena Rosa/Agência Brasil

‘1% dos proprietários detém 46% do valor dos imóveis na cidade’, diz Ermínia sobre problema de moradia em SP

São Paulo – Dentro de um cenário de especulação imobiliária e cortes de verbas de programas sociais como o Minha Casa, Minha Vida pelo governo Temer, culpar as vítimas do desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, ocorrido na terça-feira (1˚) é uma desfaçatez dos agentes públicos. Essa é a conclusão de Ermínia Maricato, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), em entrevista à Rádio Brasil Atual, comentando a repercussão da tragédia no meio político e nas redes sociais.

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, o governador do estado Márcio França e o presidente Michel Temer se isentaram de responsabilidade pelo episódio. Já o ex-prefeito da capital João Doria, afirmou que a “solução” é evitar novas “invasões” e disse ainda os ocupantes do prédio compunham uma “facção criminosa”.

“É de uma desfaçatez impressionante uma autoridade pública dizer que não tem culpa. Chega a ser predatório. Nós temos problemas gravíssimos para resolver e não é culpando as vítimas que essas coisas sem resolvem”, critica a urbanista. 

Ela lembra de um levantamento, de 2010, do Instituto de Pesquisa Tecnológicas (IPT) que apontava cerca de 115 mil pessoas em moradias com riscos na cidade de São Paulo, seja por deslizamento, incêndio ou enchente. “Seria melhor se o ex-prefeito João Doria dissesse que o problema é tão grande que não daria para resolver em pouco tempo. A nossa sociedade se nega a enxergar o tamanho do problema e aceita que a especulação imobiliária enriqueça tanto”, lamenta.

Para Ermínia, o problema de moradia é difícil de ser solucionado, seja pelo Estado ou pelo mercado. “O mercado imobiliário no Brasil só sabe trabalhar com a conta da alta renda. Na gestão municipal passada houve um cadastro chamado Geosampa e vimos que 1% dos proprietários detém 46% do valor dos imóveis na cidade. Esse cadastro mostrou que há juízes que possuem dezenas de imóveis na cidade e ainda têm auxílio moradia. A especulação imobiliária é que cria a exclusão”, denuncia ela. 

A professora também acrescenta razões para, em vez de culpar, prestigiar os movimentos populares de moradia. “Muitas ocupações mantêm cursos pré-vestibular, atividades econômicas solidárias e até combatem a entrada do crime organizado. Eles ajudam a resolver problemas (de ausência) do Estado. Criminalizar essa população é incompreensível.”

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