À Deriva

Em dois meses de intervenção, tiroteios e chacinas aumentam no Rio

Observatório aponta que a segurança pública no estado não melhorou nos últimos dois meses com atuação dos militares, e número de casos de modalidades graves de violência cresceu

Bruno Itan/Observatório da Intervenção

Após dois meses de atuação do militares, crimes contra a vida e o patrimônio se mantiveram nos mesmos patamares

São Paulo – Sem planejamento e nem modelo de política de segurança, sem metas a serem atingidas e sem transparência nos gastos, os resultados da intervenção federal no Rio de Janeiro, nos últimos dois meses, não são nada animadores. Os índices de violência não só não caíram, como os números de casos de tiroteios vem subindo, assim como também aumentaram os casos de chacinas. É o que aponta o primeiro relatório do Observatório da Intervenção, chamado À Deriva: Sem programa, sem resultado, sem rumo, divulgado nesta quinta-feira (26) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (CESeC/Ucam). 

Em parceria com o DefeZap, Fogo Cruzado e OTT-RJ (aplicativos que fazem o mapeamento dos incidentes de violência), e também a partir da pesquisa em jornais impressos e online, e em mais de 200 páginas e perfis de redes sociais, o Observatório monitorou 70 operações, realizadas pelas forças de segurança entre 16 de fevereiro e 16 de abril, que empregaram mais de 40 mil homens, deixaram 25 mortos e apreenderam 140 armas, sendo 42 fuzis. 

Nesse mesmo período, foram registrados 1.502 tiroteios em todo o estado do Rio. Nos dois meses anteriores à intervenção, foram 1.299. Nesses dois meses, 52 pessoas foram mortas em 12 chacinas, algumas delas cometidas pelos próprios policiais. No mesmo período, em 2017, foram seis casos com múltiplas vítimas, que somaram 27 mortos.

Uma das chacinas fez oito mortos na favela da Rocinha, na madrugada de 24 de março. O caso, cometido por policiais do Batalhão de Choque, ocorreu dois dias após a morte de um PM na comunidade. “Aparentemente foi uma operação autorizada, não só pelo comando da PM, mas pelo comando da intervenção”, afirma a coordenadora do Observatório da Intervenção, Silvia Ramos.

Para além dessas operações, o Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio diz que, nos meses de fevereiro e março, o estado registrou 940 homicídios. Desses, 209 foram cometidos pelas forças policiais, que também registraram 19 baixas na tropa.

Novos problemas

Frente a todos esses dados, Silvia, que também é cientista social, diz que a intervenção “não veio solucionar os problemas existentes e criou novos”, como, por exemplo, o impacto da interferência dos militares na cena política – ilustrado pelo tuíte do comandante do Exército para pressionar votação no STF – e do reforço ao discurso de que os problemas de segurança se resolvem com estratégias de guerra. 

Durante a apresentação do relatório, Silvia ressaltou que a intervenção foi motivada muito mais por questões políticas, do que propriamente de segurança. “No carnaval, o que aconteceu foi que o governo federal não ia conseguir aprovar a reforma da Previdência. Por uma questão política, resolveu fazer esse decreto que tem muito mais a ver com a agenda do Planalto que com a realidade do Rio de Janeiro.”

Passados dois meses, todos os indicadores de crimes contra a vida e o patrimônio se mantiveram nos patamares alarmantes do carnaval, segundo dados do relatório. Ela diz que o estado do Rio de Janeiro já experimentou momentos mais agudos de criminalidade, como no fim dos anos 1990 e em 2002, quando as taxas de homicídio eram muito maiores do que as atuais, com maior número de conflitos entre facções criminosas. 

A onda de saques no Espírito Santo, após paralisações de policiais militares, em 2017, as reincidentes mortes em motins em presídios em estados do Nordeste e os ataques do PCC em São Paulo, em 2006, também foram lembrados como situações mais graves do que a realidade do Carnaval carioca, que serviu de pretexto e estopim para a intervenção. 

Ela destacou ainda que as graves ocorrências, como os tiroteios e chacinas – bem como os outros crimes –, são distribuídas de maneira desigual pela cidade, com concentrações muito maiores na Baixada Fluminense do que na orla da zona sul do Rio, ou até mesmo que nas favelas da capital.