Debate

Diretor da CBN critica Europa por regulação da mídia: ‘Europeus também erram’

Representante da emissora desconsidera legislação de países democráticos. Para advogado, porém, liberdade de informação tem de conviver com outros direitos e garantias constitucionais

OAB/Facebook

O advogado Bulhões afirma que controle não é censura. Para Gandour, da CBN, liberdade deve ser ilimitada, mas para Coêlho, da OAB, é possível coibir abusos

São Paulo – Promovido pela seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o debate era sobre a necessidade ou não de limites na divulgação de informações. E se houve certo consenso quanto à liberdade, o mesmo não aconteceu quanto à responsabilização dos veículos de comunicação e dos jornalistas. Principalmente do representante da mídia corporativa, resistente a qualquer discussão nesse sentido. O diretor executivo da rádio CBN, Ricardo Gandour, com passagem por outras empresas do setor, refutou a ideia de regulação conforme ocorre na Europa, que tem legislação mais rígida sobre o tema. “Os europeus também podem errar”, disse.

Pouco antes, o advogado criminalista Antonio Nabor Areias Bulhões havia dado exemplos de casos de responsabilização de jornalistas em países europeus. Ele falou em mecanismos de controle, ressalvando que isso nunca pode resvalar em atos de censura. “Ninguém tem dúvida, a partir do próprio texto constitucional, que a liberdade de expressão e a liberdade de informação são amplas”, afirmou. Mas “a liberdade de informação tem de conviver com outros direitos e garantias constitucionais”, acrescentou Bulhões.

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Quase no final da audiência pública, realizada hoje (13) na sede da OAB paulista, o ex-presidente nacional da entidade Marcus Coêlho avaliou que todos estavam de acordo quanto ao direito à informação sem censura e sobre ser possível uma responsabilização para o caso de abusos. “Gostaríamos que o jornalista compreendesse que, do mesmo modo que o direito ao sigilo da fonte, a Constituição assegura a inviolabilidade da relação entre advogado e cliente. A estratégia da defesa não pode ser do conhecimento da acusação. O mesmo arcabouço que protege o sigilo da fonte protege o sigilo da relação do advogado com o cliente.”

Para o ex-presidente do Conselho Federal da OAB, o direito da resposta deve ser efetivo, não apenas “para cumprir tabela”. E os textos jornalísticos devem ser críticos e ter amplitude de informação, com a opinião reservada aos editoriais. Coêlho defendeu que, assim como o Judiciário deve respeitar o jornalista, o profissional de comunicação deve compreender que as decisões judiciais nem sempre terão o mesmo entendimento que a mídia espera.

Bulhões observou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já considerou a Lei de Imprensa, de 1967, inconstitucional. Desde então (2009), o país não tem uma legislação específica, o que para ele deixou “certo vácuo no sistema”. 

Ele citou, entre outros, o caso do jornalista austríaco Alfred Worm, que o jornalista foi responsabilizado por ter publicado artigos com juízo de valor, capazes de influenciar em uma decisão judicial. Worm foi processado em seu país e recorreu à Comissão Europeia de Direitos Humanos, alegando incompatibilidade entre a legislação de seu país e a do continente.

O recurso chegou à Corte Europeia, que considerou as leis compatíveis e manteve a decisão sobre o abuso no direito de informar. Outro exemplo vem da França, que estabeleceu limites no sentido de responsabilizar o jornalista posteriormente à publicação da notícia.

O advogado também falou sobre o conceito de “publicidade opressiva”, que consistiria em uma prática de meios de comunicação para atingir a imagem pública de alguém. Isso afetaria inclusive o comportamento dos juízes, que receberiam uma carga de pressão capaz de influenciar decisões.

“É perfeitamente possível, nos Estados democráticos, estabelecer mecanismos de controle (contra abusos)”, concluiu o advogado. “Desde que no plano da responsabilização posterior, jamais em forma de censura.” 

“O povo não é bobo”

Para Gandour, a liberdade de informar “não comporta limites” e uma eventual responsabilização do jornalista ou da empresa não deve implicar em cerceamento. Ele fez um paralelo entre um repórter e um juiz: o primeiro trabalharia com um “tempo antecipado”, procurando dar a notícia no menor prazo possível, enquanto o segundo exige um “tempo jurídico”, com maior intervalo para ouvir as partes e formular uma decisão. “Acho um erro antagonizar a atividade do repórter da atividade judicial.”

Uma pessoa na plateia perguntou sobre a crescente influência do poder econômico sobre as empresas de comunicação – que, por sua vez, também têm seus interesses comerciais. Mais uma vez, Gandour disse não ver motivo para preocupação: “Tudo depende do modelo de governança”.

A secretária-executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Cristina Zahar, tratou do impacto da tecnologia, com a expansão das redes sociais e da ampla circulação de opiniões. “As pessoas são o seu próprio meio de comunicação. Isso era inimaginável ha 20 anos”, observou. 

Ela citou pesquisas em que as pessoas consideram o jornalismo um direito democrático. Mas pouco mais da metade consideram que aquilo que é publicado é verdadeiro, um dado que chamou a atenção de Marcos Coêlho. “É algo que precisamos refletir”, afirmou o ex-presidente do Conselho Federal.

Cristina destacou alguns projetos da Abraji, como o CTRL-X, uma base de dados que mostra processos judiciais contra a divulgação de informações. Começou com 192 ações, agora tem 3.072. “Os que mais querem (retirar conteúdo) são partidos políticos e os próprios políticos. E isso acontece principalmente em época de eleição”, observou, defendendo ampla liberdade de acesso à informação e citando pela metade um conhecido bordão: “O povo não é bobo”.

A representante da Abraji lembrou ainda de iniciativas de conferência de dados (fact-checking), para tentar combater a divulgação de notícias falsas. Lembrou um caso na França, onde em 2017, um ano eleitoral, 37 veículos se uniram para criar uma ferramenta a fim de identificar e barrar as chamadas fake news.

Ela criticou sugestão do Conselho de Comunicação do Senado, um órgão consultivo, de propor meios de retirar conteúdo da internet sem ordem judicial. “Estamos tratando o direito à informação e o direito de informar como caso de polícia?”, questionou Cristina, citando ainda entrevista do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux, de criar uma força-tarefa contra notícias falsas em parceria com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Vice-presidente da Comissão Especial da Liberdade de Imprensa da OAB-SP e advogada do jornal Folha de S.Paulo, Taís Gasparian afirmou que apesar da “liberdade muito ampla” no país, ainda há riscos cotidianos a jornalistas e advogados, com tentativas de censura judicial. Um dos casos citados foi do Diário da Região, de São José do Rio Preto, interior paulista, que teve decretada a quebra do sigilo telefônico de toda a redação, que se recusava a divulgar a fonte de uma informação. Sem o direito ao sigilo da fonte, lembrou  Taís, não teria havido o caso Watergate nos Estados Unidos, que nos anos 1970 derrubou o presidente Richard Nixon.