segurança alimentar

Câmara pauta PL que amplia controle de empresas sobre produção de alimentos

Se aprovada, a nova lei pode impor regras de interesse do mercado à escolha de sementes dos pequenos agricultores

MPA/BRASIL

PL também limita a possibilidade dos agricultores comercializarem a produção que resulta das sementes protegidas

Terra por Direitos – O Projeto de Lei de Proteção de Cultivares (PL 827/2015), que altera a legislação sobre sementes, plantas e mudas melhoradas em laboratório e patenteadas – ou seja, aquelas protegidas por propriedade intelectual -, está na pauta de Comissão Especial nesta terça-feira (27) na Câmara dos Deputados.

Se aprovada, a nova lei pode limitar que agricultores produzam, conservem, distribuam, comercializem ou troquem as sementes protegidas. Assim, a proposta amplia o controle de grandes empresas sobre o uso de sementes, plantas e mudas melhoradas.

O projeto é de autoria do ruralista Dilceu Sperafico (PP-PR), mas não é consenso na própria bancada parlamentar do agronegócio. O relator do PL na Comissão Especial, o Deputado Nilson Leitão (PMDB-MT), por exemplo, apresentou um parecer substitutivo, que será avaliado pela Comissão nesta terça. O Deputado Nilto Tatto (PT-SP) já havia apresentado voto em separado pela rejeição do PL.

Após tramitação na Comissão Especial, o texto de Projeto de Lei passará pela Comissão de Ciência e Tecnologia, pela a Comissão de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, pela  Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio e pela Comissão de Constituição e Justiça.

As comissões emitem pareceres pela aprovação ou rejeição do Projeto, o que embasa o plenário da Câmara Federal para a votação final.

Caso aprovado, o projeto segue ao Senado Federal, que pode aprovar diretamente o texto legislativo ou propor alterações, o que fará com que o PL retorne à Câmara para nova apreciação.

Ameaças aos agricultores

A atual legislação sobre a Proteção de Cultivares é a  Lei 9.456/1997 e a Lei que dispõem sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas é a de nº 10.711/2003. Ambas regulam o direito de propriedade intelectual dos pesquisadores (os “obtentores”) sobre as sementes desenvolvidas em laboratório (as “cultivares”). Isto é, a alteração na lei não se refere às chamadas sementes crioulas que são desenvolvidas pelos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais. Apenas sobre as sementes que foram desenvolvidas por melhoristas com cruzamento em laboratório entre duas espécies puras e diferentes entre si. São sementes registradas com base no desenvolvimento por pesquisas e desenvolvimentos com base em sua característica produtiva ou decorativa.

As “cultivares” precisam ser cadastradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o pesquisador ou a empresa que desenvolveu a nova variedade têm direito do recebimento de “royalties” sobre as sementes. A sua comercialização também depende de autorização prévia.

O projeto de Lei proposto por Sperafico amplia os direitos dos “obtentores”, isto é, das empresas e pesquisadores que desenvolveram a variedade cultivada. Na legislação atual a produção, a venda ou comercialização das sementes é proibida se não houver autorização do melhorista. Com o projeto, haverá limitação também ao armazenamento e acondicionamento para fins comerciais das cultivares, o que somente poderá ser realizado se houver expressa autorização do obtentor da semente protegida.

A reserva ou salvamento de sementes protegidas após a colheita também será possível somente se cumpridas várias condições, entre elas o pagamento de royalties, utilização com prazo para utilização das cultivares e espaço definido da plantação total.

Já o substitutivo do relator Nilson Leitão não estabelece tais condições, mas pode ser pior, uma vez que sujeita o uso próprio de sementes à condições estabelecidas por “Grupos Gestores de Cultivares”. Tais grupos seriam formados pelos representantes dos obtentores, dos produtores de sementes e mudas e dos produtores rurais, sem previsão de participação dos pequenos agricultores ou povos e comunidades tradicionais.

Estes grupos ainda poderiam acordar o valor, a forma de cobrança, o momento e a destinação dos recursos pelo uso da semente protegida. O que significa o deslocamento de decisões estratégicas da soberania alimentar nacional para os agentes privados, cujo mercado é em boa parte dominado por empresas transnacionais.

Outras limitações

O projeto de Sperafico também limita a possibilidade dos agricultores comercializarem a produção que resulta das sementes protegidas.

Apenas o consumo próprio da produção será permitido, de forma que a venda dos alimentos estará sujeita à autorização do melhorista ou da empresa que desenvolveu a semente. Já o substitutivo de Leitão autoriza a venda dos alimentos, mas novamente delega aos Grupos Gestores de Cultivares as condições para tal venda.

A atual legislação já não permite a venda de sementes protegidas pelos pequenos agricultores e povos e comunidades tradicionais. É autorizada apenas a troca e doação. No entanto, o novo projeto de lei restringe que a doação e a troca sejam conduzidas e autorizadas pelo poder público, o que pode limitar a prática de trocas de sementes em feiras e festas organizadas pelos próprios agricultores ou pela sociedade civil.

Já o PL substitutivo proposto por Leitão deixa uma lacuna jurídica nesta questão, não mencionando diretamente sobre a possibilidade de troca e doação dessas sementes, o que poderia trazer interpretações mais restritivas por quem aplica a lei ou poderia ficar ao encargo dos “Grupos Gestores de Cultivares”.

Outras modificações previstas pelos projetos de lei referem-se ao aumento de penas e sanções acerca da violação do direito de propriedade intelectual das sementes e também a elevação do prazo em que as cultivares permanecem protegidas.

Divergências entre os ruralistas

O projeto já foi pautado em reunião da Comissão Especial em dezembro de 2017, mas não foi encaminhado pelas divergências internas da própria bancada da Frente Parlamentar Agropecuária.

Isto porque apesar da dependência, há certo embate sobre os interesses de parcelas agronegócio nacional e de empresas que desenvolvem sementes, insumos e agrotóxicos – o chamado pacote tecnológico.

Os projetos que alteram a legislação de cultivares visam ampliar o direito de propriedade intelectual do melhorista e o controle sobre as sementes mediante autorizações, com ampliação das possibilidades de pagamento de royalties, ampliação de prazos de proteção e limitações para reserva de sementes.

Os deputados Valdir Colatto (PMDB/SC) e Luis Carlos Heize (PP/RS), a Associação Brasileira de Obtentores Vegetais (BRASPOV) e até o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) já se pronunciaram contra a aprovação do projeto de lei, alegando que as alterações irão encarecer a produção e onerar o agronegócio brasileiro.

Mesmo assim, é provável que haja unificação da bancada ruralista nesta quarta-feira, vez que desde dezembro já houve tempo hábil para que o agronegócio se articulasse em uma proposta comum entre os setores interessados, deixando de fora a participação dos agricultores familiares, dos movimentos sociais do campo e dos povos e comunidades tradicionais e indígenas – os verdadeiros guardiões da agrobiodiversidade nacional.