Justiça

Ex-trabalhadores questionam Volks e pretendem ir à Justiça

Metalúrgicos lembram de prisões e falam de 'chiqueirinho' ou 'sala de interrogatório' dentro da fábrica. Segundo relatório, empresa repassou à polícia política dados de 28 empregados investigados

Volkswagen do Brasil

Empresa e metalúrgicos descerram placa na fábrica da Volks em homenagem às vítimas da ditadura

São Bernardo do Campo (SP) – Às 5h, na entrada do primeiro turno, um grupo de ex-funcionários da Volkswagen de São Bernardo, no ABC paulista, já estava na frente da fábrica. Eles distribuíam panfletos a quem chegava, questionando a iniciativa da Volks, que divulgou relatório sobre a atuação da empresa durante o período da ditadura. Chegaram a ser convidados a participar da cerimônia, mas se recusaram. Agora, pretendem recorrer à Justiça.

Entre esses ex-trabalhadores, estava Lúcio Antonio Bellentani, ferramenteiro que 45 anos atrás foi preso por policiais dentro da fábrica, segundo ele com apoio da segurança da empresa. Foi levado ao Dops, onde permaneceu meses sendo torturado. Ele mostrou irritação com a postura da Volks, que reconheceu colaboração de alguns de seus integrantes com a ditadura, mas não de forma institucional.

“A gente tinha desconfiança dessa armadilha”, disse Bellentani depois do evento. “É absurdo dizer que foram funcionários e não a empresa. Tem mais de 400 documentos que provam a participação efetiva da Volkswagen na perseguição a trabalhadores, a responsabilidade pelas prisões”, afirmou, citando relatório do perito Guaracy Mingardi, anexado a inquérito do Ministério Público Federal.

Segundo Bellentani, nos próximos dias o grupo de ex-trabalhadores vai se reunir para avaliar o documento da Volks. Depois, pedirão audiência com o Ministério Público. “Vamos para a Justiça resolver esse problema. Agora, somente nos resta judicializar e pedir reparação”, acrescentou, dizendo que a empresa só procurou os ex-funcionários informalmente. “Não querem oficializar nenhum contato.”

“Ela (Volks) praticava, inclusive, cárcere privado na fábrica”, disse o ex-metalúrgico. Funcionário de 1972 a 1977, o também ex-deputado Expedito Soares acrescenta: “O coronel (Ademar) Rudge (antigo responsável pela segurança industrial da Volks) tinha o hábito de confinar o pessoal dentro de um chiqueirinho”, disse Expedito, durante o ato na portaria, em que os ex-metalúrgicos expunham uma faixa com os dizeres “Não queremos festa, queremos justiça”. Ele foi demitido enquanto tentava organizar um movimento na Ala 5 da fábrica (produção do antigo Passat).

Filho de metalúrgico (José Firmino, “seu” Zizito, que passou alguns meses na Volks mas trabalhou a maior parte do tempo na Ford), que fez parte das chamadas listas trocadas entre empresas com trabalhadores “indesejáveis”, o presidente do sindicato da categoria, Wagner Santana, o Wagnão, funcionário da Volks, confirma a história, com outras palavras. Ele lembra que quando entrou na fábrica, 34 anos atrás, “o maior terror de um trabalhador era ser chamado pelo Departamento de Segurança Industrial”, justamente a área comandada por Rudge, que chegou a ser interpelado no MPF, mas negou todas as acusações. “Nós tínhamos medo de ir para uma salinha de interrogatório e sair de lá demitido ou preso”, lembrou Wagnão, que ao lado do presidente da Volks para a América do Sul e Brasil, Pablo Di Si, inaugurou uma placa “em memória das vítimas da ditadura”.

Ele conta que tentou convencer os ex-funcionários a participar do evento, mas disse compreender as razões da ausência. “Esses trabalhadores precisam, sim, ter sua vida reparada na devida medida. Outras empresas também têm de assumir a responsabilidade. Concorrente da Volkswagen, fornecedores, indústria química, setor financeiro, tiveram o mesmo comportamento, não só identificando trabalhadores que eram contra o regime, mas financiando o golpe. Muitos deles querem esquecer, não querem falar sobre aquele momento.”

Wagnão considera positiva a iniciativa da empresa, mesmo que alguns ainda a considerem “tímida”. “Em respeito a eles, acho que a Volkswagen tem de ser mais ativa e caminhar no sentido de conversar com cada um.”

No relatório do professor e historiador Christopher Kopper, é citado um relato da Força Aérea, de 1971, segundo o qual o PCB estaria planejamento se desenvolver dentro de uma grande empresa, que seria a Volks. Haveria uma “célula” do antigo Partidão na fábrica, tendo Bellentani entre seus integrantes.

Em 29 de julho de 1972, a polícia prendeu Amauri Danhone e Lúcio Bellentani. Em 2 de agosto, foi a vez de Antonio Torini e no dia 8, Geraldo Castro del Pozzo, Heinrich Plagge e Annemarie Buschel. “Mediante uma consulta da polícia política, o departamento de segurança disponibilizou dados de 28 empregados da VW que eram investigados pela polícia.”

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