Descaso

Gestão Doria abandona espaços para beneficiários do De Braços Abertos

Condições de hotéis que recebem usuários de crack inscritos no programa foram se deteriorando ao longo do ano. Com 'risco de morte', trabalhadores deixam local

PMSP

Expostos à violência, trabalhadores do programa De Braços Abertos reclamam de falta estrutura física e recursos

São Paulo – Na última quinta-feira (30), cerca de 20 trabalhadores do Hotel Parque Dom Pedro e do Hotel Impacto, alocados no primeiro estabelecimento, entregaram carta aberta ao Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) comunicando a impossibilidade de prosseguirem com o trabalho realizado com cerca de 100 beneficiários do programa De Braços Abertos (DBA). Na prática, os trabalhadores decidiram interromper as atividades e, com isso, as 100 pessoas hospedadas no hotel – incluindo crianças – estão sem apoio da entidade que, por meio de convênio com a Prefeitura de São Paulo, mantém o atendimento aos beneficiários do DBA.

Os trabalhadores afirmam que a decisão foi tomada após quase um ano de alertas sobre a degradação das condições de infraestrutura e apoio às atividades desenvolvidas com os moradores. Na carta, os profissionais apontam a “ausência de condições de trabalho referentes a estrutura física e de recursos humanos, especificamente do serviço de cuidados em redução de danos transversalizado, o qual integra a política municipal de álcool e outras drogas”.

Embora reconheçam que no começo do ano já houvesse violência entre os beneficiários, os técnicos afirmam que a situação começou a piorar a partir de fevereiro, quando o governo de João Doria decidiu retirar do local os guardas civis metropolitanos que faziam o controle de acesso ao edifício e tinham formação especializada em mediação de conflitos.

“Assim, considerando os múltiplos episódios de violência registrados e direcionados através de e-mails e contatos telefônicos aos responsáveis pela gestão do equipamento, o setor administrativo do IABAS, além dos agravantes no decorrer desse ano que colocam constantemente a equipe acima referida em risco de morte – sendo exemplos desses episódios as múltiplas ameaças, violências verbais, violências físicas e assédio sexual dirigidas à equipe de trabalho – comunicamos a impossibilidade de prosseguir com o trabalho”, explica a carta.

Segundo os trabalhadores do hotel, “mediar conflitos violentos sem a presença de um profissional com essa função e formação específica, além de desviar a função técnica, impede o fortalecimento do vínculo com os beneficiários e, assim, a possibilidade de oferecer os cuidados previstos pelo programa”.

Coincidentemente, a decisão dos profissionais de suspender as atividades aconteceu no mesmo dia em que o psiquiatra Arthur Guerra, coordenador do Programa Redenção, apresentou as diretrizes da gestão Doria para atuar com usuários de crack na capital paulista. Na ocasião, Guerra afirmou que o Redenção irá combinar os conceitos e práticas de redução de danos aplicados no De Braços Abertos, implementado no governo do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), com a política de abstinência e internação – essa sempre apontada pelo governo Doria como a preferencial para lidar com o problema do crack na cidade.

Além da exposição a violência, os trabalhadores do Hotel Parque Dom Pedro apontam no documento uma série de problemas de infraestrutura, como a falta de dedetização do local, o não funcionamento do elevador (o prédio tem oito andares), a não reposição suficiente de lâmpadas nas escadas do prédio (aumentando o risco de acidentes e da presença de pessoas não inscritas no DBA), além de uma série de problemas hidráulicos e elétricos. 

São ainda denunciadas a não reposição de janelas e redes de proteção, agravando o risco de acidentes, tendo, inclusive, já ocorrida uma tentativa de suicídio, e a não reposição de fechaduras e portas, fato que, segundo os profissionais, “provoca a desorganização de beneficiários com avanços na direção da autonomia”.

Outro lado

Em nota, a Prefeitura de São Paulo explica que a retirada dos guardas civis metropolitanos que atuavam no local, deveu-se “a mudança na estrutura organizacional”, com o fim da Inspetoria de Redução de Danos da GCM. “Os profissionais que trabalhavam nela continuam a trabalhar na região central em sua maioria, e são empregados naquele cenário”, diz a nota.

A gestão Doria afirma ainda que, em 2016, “o IABAS herdou o gerenciamento do Hotel Dom Pedro quando o local já apresentava problemas estruturais e sociais crônicos. Com isso, há um processo de deteriorização acelerado, apesar dos esforços constantes do Instituto para sanar tais questões.”

Questionada sobre quantas vezes o coordenador do Redenção, Arthur Guerra, ou qualquer membro da sua equipe esteve no hotel ao longo do ano, a prefeitura afirma que semanalmente as equipes dos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de referência estão presentes nos hotéis.

Com relação a política de moradia para os beneficiários do DBA, o executivo municipal explica que “atualmente a política de moradia atende aos antigos beneficiários do DBA, mas ela está sendo reformulada para que possa atender com mais especificidade aos diferentes perfis e demandas”.

A transferência dos moradores dos hotéis para os recém inaugurados Centros Temporário de Acolhimento (CTAs) tem sido estudada como uma possibilidade. Sobre isso, a gestão Doria afirma que a “Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social vêm estudando as alternativas viáveis para minimizar os impactos desta transição. Ainda não há definições concretas sobre a mudança”.

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