munícipe à venda

Vereadores fazem projeto para proteger dados que Doria quer entregar a empresas

Lei é elaborada após prefeito declarar que venderá os dados dos usuários do Bilhete Único e do wi-fi para empresas que assumirem essas áreas. Medida “perigosa e antiética”, avalia Rede Nossa São Paulo

Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas

Projeto de lei proíbe que a prefeitura use os dados pessoais da população para fins comerciais

São Paulo – Um assunto de extrema importância, mas ainda pouco compreendido pela sociedade, a proteção dos dados pessoais na internet é o objeto do projeto de lei que um grupo de vereadores de oposição vai protocolar no dia 22 (quarta-feira), na Câmara Municipal de São Paulo. A iniciativa de regulamentação surge após o prefeito João Doria (PSDB) declarar que os dados dos usuários do Bilhete Único e da rede wi-fi dos parques da cidade serão cedidos para as empresas privadas que assumirão a gestão desses serviços.

Para o vereador Toninho Vespoli (Psol), a proposta do prefeito é um aspecto das concessões que não está sendo debatido, apesar da importância do assunto. “O senso comum acha que é tranquilo vender dados em troca de serviços que essas empresas farão para a prefeitura, mas quando as pessoas se inteiram mais do assunto, veem que não é tão tranquilo assim”, avalia.

O projeto, elaborado em parceria com entidades da sociedade civil, como Intervozes, Núcleo de Tecnologia e Sociedade da Universidade de São Paulo (USP) e a Rede Latinoamericana de Estudos sobre Vigilância (Lavits), é liderado por Vespoli e tem coautoria dos vereadores Police Neto (PSD), Sâmia Bomfim (Psol), Antônio Donato (PT), Eduardo Suplicy (PT) e Patrícia Bezerra (PSDB). Tem como destaque o veto da venda dos dados da população para uso comercial. A proposta também determina que o cidadão deverá autorizar o uso dos seus dados por parte da prefeitura, além de saber como eles estão sendo utilizados.

“É importante as pessoas saberem como estão sendo utilizados os seus dados e o que acontece com eles”, pondera Toninho Vespoli. O projeto ainda determina que a Prefeitura de São Paulo só possa usar os dados da população como base de informação para a formulação de políticas públicas, prevê a criação de um canal para que o cidadão possa saber quais dados a prefeitura armazena dele, além de um estabelecer que o indivíduo tenha o direito de pedir a exclusão de seus dados pessoais.

Segundo o vereador do Psol, o tema, que boa parte da sociedade não domina, também é muito novo para seus colegas da Câmara Municipal. “Não é um assunto tranquilo.” Para ele, é equivocado o modelo de concessão proposto por Doria, atrelando a remuneração das empresas privadas à venda de dados dos usuários dos serviços.

“Os liberais têm, de modo muito forte, o princípio da democracia e das liberdades individuais, então não é algo tão tranquilo na hora em que as pessoas percebem que suas liberdades individuais estão em cheque, mesmo estando na base do governo”, pondera Toninho Vespoli, projetando como o projeto de lei será analisado pela bancada governista na Câmara. “Acho que terá muita discussão na Casa.”

Perigo desconhecido

Uma vez de posse dos dados individuais das pessoas, a sistematização das informações confere às empresas privadas um “hiperdetalhamento” dos hábitos e práticas de cada cidadão. Conforme explica Américo Sampaio, gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo, a consequência disso é que um mesmo serviço pode ser oferecido com preços e níveis de qualidade diferentes de uma pessoa para outra.

“As pessoas não têm ideia desse nível diferenciado, tanto de preço quanto de qualidade, porque não é algo transparente. A pessoa não sabe, mas ela é totalmente impactada por serviços privados que consome, porque esses serviços têm uma modulação diferente por conta dos dados capturados, de acordo com o consumo dela na internet, compras no mercado, farmácia etc. Como o assunto é muito novo, a população ainda não se atentou para a gravidade da violação do direito à privacidade e para a gravidade do setor privado, de maneira indiscriminada, conseguir registrar e usar dados do seu comportamento no dia a dia e seus padrões de consumo”, analisa Américo Sampaio.

Para ele, que auxiliou na elaboração do projeto de lei, a intenção do governo Doria é uma medida “extremamente perigosa e antiética”, ao trabalhar com a ideia de que a remuneração das empresas concessionárias desses serviços ocorrerá pela comercialização dos dados das pessoas que utilizarem a internet ou o Bilhete Único.

“Quando você estrutura uma política pública em que a base de remuneração das empresas concessionárias inclui a comercialização dos dados privados, significa que você tem um desvio ético do ponto de vista de como essa política pública deveria ser gerida. É um problema de modelo, é um problema de entendimento de que a violação da privacidade da população pode ser tornar mercadoria que produza lucro para as empresas. É de fato uma medida perigosa e inaceitável”, afirma o gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo.

Américo destaca que a intenção do prefeito  não é ilegal, devido ao vácuo normativo na legislação brasileira sobre o tema. Embora o Congresso Nacional tenha aprovado o Marco Civil da Internet, não há regulação para a proteção dos dados pessoais.

“Infelizmente a população não percebe esse tipo de medida como uma violação dos seus direitos. A percepção geral é que esses dados não podem causar prejuízo, algo como ‘não tenho nada a esconder’ ou ‘não vai prejudicar minha vida’. Acontece que a população está completamente enganada nesse sentido”, alerta.