Segurança alimentar

Agricultores temem extinção do Programa de Aquisição de Alimentos

Ações do governo Temer apontam para o fim do programa criado por Lula para combater a fome e a pobreza. Cortes orçamentários para o setor, que passam de 90%, começam a prejudicar agricultura familiar

Reconhecido pela ONU e replicado em países africanos, programa que cria mercado ao pequeno produtor corre riscos

São Paulo – A agricultura familiar, que já começa a ser afetada pelos cortes orçamentários e o contingenciamento de recursos por parte do governo de Michel Temer, pode ser prejudicada também com o fim do Programa de Aquisição e Alimentos (PAA). O temor é da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

De acordo com o secretário de Política Agrícola da entidade, Antoninho Rovaris, há fortes suspeitas de que, por trás do estímulo do governo a órgãos federais a aderir à modalidade Compra Institucional do PAA, esteja a intenção de acabar com o programa criado em 2003, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

“O governo vem reforçando o discurso de que há legislação que possibilita que a Marinha, o Exército, a Aeronáutica, Universidades, presídios e muitos outros órgãos públicos façam 30% de suas compras por meio da agricultura familiar”, diz o dirigente.

Conforme o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), a atual legislação determina que órgãos da administração pública federal comprem, no mínimo, 30% dos gêneros alimentícios dos agricultores familiares. A previsão, segundo a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDSA é que essas aquisições somem R$ 260 milhões. O valor correspondente a um crescimento, segundo a pasta, de 430% comparado ao total investido em 2016, da ordem de R$ 61 milhões, é, para o dirigente da Contag, uma verdadeira armadilha.

“Na perspectiva do governo, todo este mercado está disponível para os pequenos agricultores. Logo, não seria, na visão governista, o caso de colocar mais dinheiro no setor, no caso, os recursos do Programa de Aquisição de Alimentos, que este ano seria de R$ 500 milhões, mas aplicaram até agora R$ 54 milhões. Afinal, para Temer, os recursos para os pequenos produtores estão no orçamento desses órgãos da esfera pública. No pensamento da equipe econômica, assim não será preciso colocar mais dinheiro.”

Ações em cadeia pró-latifúndio

O fato de o governo federal empregar pouco mais de 10% dos recursos previstos para o PAA neste ano é apenas um dos vários movimentos feitos a toque de caixa pelo Executivo desde que tomou o poder depois de derrubar Dilma Rousseff.

Em julho, o Plano Nacional de Regularização Fundiária, sancionado por Temer, passou a permitir a legalização ampla de áreas públicas invadidas na Amazônia e retira exigências ambientais para a regularização fundiária.

Nesta semana, o Ministério do Trabalho publicou decreto “flexibilizando” conceito de trabalho escravo, de a modo a dificultar sanções a empresas e pessoas que forem flagradas com emprego de mão de obra em condições análogas à escravidão.

Tais medidas têm em comum os interesses da bancada ruralista, uma das principais bases de apoio ao golpe no Congresso, e cujos interesses são bem retratados no documentário Brésil – Le Grand Bond Arrière – O Grande Passo para Trás, produzido pelo canal público de TV franco-alemão ARTE.

No entanto, segundo Rovaris, a realidade é bem diferente. Primeiro porque Exército, Marinha e Aeronáutica não estão preparados para fazer processo licitatório que inclua a agricultura familiar. E segundo porque os pequenos agricultores não têm a produção organizada ou cooperativas em todas as localidades em que estão os órgãos federais.

“Você vai vender para a Marinha, no Rio de Janeiro, onde está o comando geral da Marinha. Não é como no Programa de Aquisição de Alimentos, onde as entregas são feitas em prefeituras espalhadas por todo o país”, compara Rovaris. 

Menina dos olhos da agricultura familiar, o PAA foi criado como uma das estratégias para combater a fome e ao mesmo tempo fortalecer a agricultura familiar. Consiste no repasse de recursos da União para estados e municípios adquirir produtos de assentados da reforma agrária, povos indígenas e demais comunidades tradicionais, ou de suas organizações certificadas. Os alimentos são destinados à rede sócio-assistencial e aos equipamentos de alimentação e nutrição que atendem pessoas em situação de insegurança alimentar.

Em 2015, um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) destacou os resultados do Programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). De acordo com a publicação Demanda Estruturada e Agricultores Familiares no Brasil: o Caso do PAA e do Pnae, os dois programas de compras institucionais são fundamentais para a superação da pobreza e da fome no Brasil.

Duas agriculturas

A Contag defende que os pequenos agricultores recebam o mesmo tratamento do governo federal. Enquanto são cortados recursos para a assistência técnica, por exemplo, que caem de R$ 326 milhões neste ano para R$ 133 milhões em 2018 – mais de R$ 200 milhões a menos – os grandes têm benesses.

“Isenção fiscal, juros mais baixos, o que pela nossa pequenez nunca conseguimos ter. Por isso dizemos que no Brasil existem duas agriculturas: uma pequena, que sobrevive, endividada, com pouca atenção do estado, e outra grande financeiramente falando, que é uma potência”, diz Antonino Rovaris.

Uma questão de prioridade. Como ele destaca, até dois anos atrás havia um Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), com diversas secretarias, um Incra e um Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), “que davam cobertura para a agricultura familiar”.

“Uma das primeiras coisas que Temer fez foi acabar com o MDA, transformou em secretaria especial ligada à Casa Civil, dirigida por alguém (Eliseu Padilha) que nunca viu como se planta um milho. A lógica desse governo é de corte, não repassar recurso. A assistência técnica, que tinha em 2017 R$ 326 milhões, será de praticamente zero no ano que vem: R$ 51 milhões. Quem depende da assistência técnica federal e não tem as ematers, estão morrendo agora.”

Os recursos que estão sendo retirados da agricultura familiar, conforme destaca, estão sendo transferidos para o “colo da bancada ruralista”, que está negociando o isenção de R$ 9 bilhões do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), que nós, da agricultura familiar, pagamos, e que eles não pagaram. Estão levando um monte de dinheiro. Ou seja, a decisão do governo passa por aquilo que se deseja para o país. E o que se quer nesse momento é agricultura familiar mais pobre, e a agricultura patronal mais rica.”

Vai faltar comida?

A asfixia da agricultura familiar, que produz 70% do alimento consumido no país, não implica necessariamente em menos comida na mesa dos brasileiros, conforme acredita o dirigente da Contag. Para ele, não há esse risco até mesmo porque os grandes devem produzir.

“Na hora que tiver mercado para alface, para o tomate, eles vão produzir alface e tomate. Em 60 dias você produz alface. Em 90 dias, coloca tomate na mesa do consumidor. Agora o que precisa ver é a que preço e com qual qualidade. Precisa ver o quanto de agrotóxico a mais vai ter”, alerta.

Rovaris chama atenção ainda para outra perversidade contra o pequeno agricultor: zero de orçamento em 2018 para o Programa Nacional de Habitação Rural. A promessa era de que haveria recursos para 35 mil unidades em 2017 – que não saiu ainda, e que totalizaria R$ 2,5 bilhões. “Uma política importante para a manutenção do homem no campo, na sua comunidade, no seu local de trabalho. É o governo fazendo o pobre ficar mais pobre.”

 

 

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