salvacionismo

Janot fomentou a instabilidade para se fortalecer, diz jurista Luiz Moreira

Em entrevista, Moreira diz que ex-procurador-geral e suas 'flechas' contribuíram para o enfraquecimento das instituições, inclusive o próprio MPF, abrindo brechas para arroubos autoritários

Antônio Cruz/EBC

Com Dodge, jurista espera MPF longe dos holofotes da mídia e comprometido com a democracia

São Paulo – Tendo chegado à Procuradoria-Geral da República (PGR) na esteira do julgamento do mensalão, quando a relação entre o Ministério Público Federal (MPF), Supremo Tribunal Federal (STF) e a classe política foi elevada a um maior grau de tensão, o nome de Rodrigo Janot surgia como uma espécie de “pacificador”, prometendo contribuir para a estabilidade do país a partir de uma atuação técnica e discreta, longe dos holofotes da mídia que havia transformado o caso contra petistas em espetáculo, clamando por condenação. 

Passados quatro anos, não foi isso o que se viu. À frente da PGR no momento de maior instabilidade política do país nos últimos anos, Janot, que deveria ser um “mediador das tensões”, se viu por elas envolvido. E mais: foi também o “mobilizador, fomentador e catalisador” da instabilidade institucional do Brasil, que agora se vê às voltas com fantasmas de farda que ameaçam pôr abaixo o que resta do sistema democrático, substituindo as flechas de bambu por chumbo. 

Essa é a avaliação do jurista Luiz Moreira que, em conversa com a RBA, fez um balanço da atuação do Procuradoria-Geral da República no último período. Ele também revelou suas expectativas em relação a Raquel Dodge, que novamente tem a missão de buscar equilibrar a defesa da Constituição com a função acusatória do Ministério Público, sem cair nas armadilhas do grupo de Janot e da mídia tradicional.

“A gestão Janot se notabilizou por tentar imprimir protagonismo ao MPF, se sobrepondo inclusive aos poderes políticos. Uma análise mais detida da sua atuação verificará que o que estava em jogo era a imposição de seu nome (Janot) aos poderes políticos, de modo a demonstrar para a opinião pública e às demais instituições que a Procuradoria-Geral da República era a mais importante das instituições”, afirma Luiz Moreira. 

Segundo o jurista, Janot teve uma ação preponderantemente política, e até “personalista”, e fez da mídia o “arco” para as suas flechas, abastecendo o noticiário com suas denúncias e vazamentos assentidos, contribuindo para “desfigurar” completamente o desenho constitucional brasileiro.

“A crise geral, e a anomia que se assiste, inclusive com a manifestação golpista de alguns generais, se deve à fragilidade das instituições brasileiras, a partir do mito de que o Brasil é um país corrupto. O Brasil não é um país nem mais nem menos corrupto que qualquer outro, como a Alemanha ou os EUA. Mas o país é radicalmente desigual”, diz o jurista, que também fez parte do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), entre 2009 e 2014. 

Ele afirma que se criou então a percepção de que as instituições são todas incapazes de governar o país, mas que esse descrédito generalizado alcança agora também o MPF e a própria procuradoria, já que a denúncia contra o presidente Michel Temer chega à Câmara nesta semana eivada de suspeitas sobre as condutas e intenções de integrantes do Ministério Público no caso.

“Hoje, o MPF está envolvido em denúncia de todo tipo de ilegalidade, de vazamentos, coerção de testemunhas, parcialidade. Há inclusive denúncia de que a delação do Delcídio foi escrita por um procurador-geral da República”, diz Moreira, fazendo menção ao caso do ex-senador preso no exercício do mandato por obstrução de Justiça e que, na sequência, firmou acordo de delação premiada com parte das acusações já arquivadas por falta de provas.  

“Chega a causar espécie uma entrevista coletiva em que Janot anuncia que haveria falas comprometedoras de ministros do STF, quando não havia nada. Qual o propósito dessa fala? Estabelecer uma instabilidade radical e, com isso, o reconhecimento da população de que haveria apenas um salvador: o próprio procurador-geral”, destaca Moreira.  “A consequência disso é a instalação de um Estado policialesco, a cuja atuação da Polícia Federal ficou subordinada, na marra, ao procurador-geral, e não ao ministro da Justiça. Ele queria todo o sistema de Justiça submetido a ele. “

Moreira diz que a atuação de Janot não é caso isolado, nem novidade, e reforça e reflete atual tendência visível na atuação de outros procuradores de primeira instância, que utilizam a política e a criminalização dos políticos como “trampolim” para, na sequência, se apresentarem nas urnas como alternativa aos inimigos de então. “Se utilizando disso, criminalizam os atores políticos para surfar como salvadores da Pátria.” 

Raquel Dodge

Da atuação da nova procuradora-geral da República, a quem classifica como escolha “acertada”, Moreira espera estabilidade no exercício do ofício, que tenha capacidade de diálogo com os demais integrantes do MPF, principalmente os procuradores mais experientes, e que saia dos holofotes da mídia.

O que Dodge não pode fazer é estabelecer um debate com o antigo procurador-geral, pois seria fisgada por um grupo poderosíssimo da PGR, regado a diárias, razão do apoio quase irrestrito a Janot. A principal tarefa dela é não cair na armadilha dos tuiuiús e distanciar-se das ações de marketing promovidas até então. Tem que ter uma atuação técnica.”

Os tuiuiús são um grupo surgido no MPF ainda nos tempos de Geraldo Brindeiro, procurador-geral no governo Fernando Henrique Cardoso, que ficou conhecido como “engavetador-geral da República”, devido a sua disposição em arquivar série de denúncias contra integrantes do governo tucano. Brindeiro foi nomeado sucessivas vezes por FHC, que ignorava a opinião dos procuradores, que passaram a pleitear que a escolha do chefe do MP se desse a partir da lista dos nomes mais votados pelos membros da instituição.

Veio da chamada “lista tríplice” a força dos tuiuiús, que passaram a “eleger” todos os procuradores, desde a saída de Brindeiro até Janot, agora escanteados pelo novo grupo de Dodge. Surgida para dar mais autonomia à Procuradoria frente aos governos de plantão, a eleição interna e a lista também se converteram em um problema, segundo Moreira, pois passou a estimular o que ele classifica de “populismo judicial”. 

Para o jurista, a escolha da Dodge “subverte a lógica populista de que é a própria instituição (a PGR) que deve governar a si mesmo. O procurador-geral é da República, não é do Ministério Público”. Apesar de escolhida por Temer, Moreira espera que a nova procuradora consiga unificar o MPF pela defesa da democracia. 

“O que se espera é que ela unifique o MPF em algumas pautas, por exemplo, em defesa da democracia, que agora se vê ameaçada pela insurgência de um grupo de generais. Como não há unidade nas instituições civis, isso gera possibilidade de intervenção militar. Quem tiver força, se impõe”, alerta ele.

“Tenho muita esperança que a Raquel dê uma estabilidade, e não promova o caos institucional no qual estamos mergulhados. Ela foi levada a PGR por se notabilizar como a mais forte opositora não à pessoa do Janot, mas aos seus métodos que levaram a essa instabilidade”, acrescenta o jurista.

As delações

Outro fator que contribuiu para o atual quadro de instabilidade institucional generalizada, segundo Moreira, é o instituto da delação premiada, importado da tradição norte-americana e incorporado no ordenamento jurídico brasileiro a partir de 2013. “Espero que revoguem esse instituto. É um instituto medieval. A pessoa é presa e submetida a tortura psicológica. Ou entrega o que a gente quer ou continua presa. A pessoa presa não deveria poder fazer acordo de delação. Preso não tem vontade, está submetido. 

Ele diz, ainda, que as leis e o Direito devem ser vistas como instrumentos de garantia das liberdades mais básicas dos cidadãos e da sociedade, e não como ferramenta de transformação social, que se propõe a purgar todos os males da nação nos bancos dos tribunais. Ele afirma que as transformações que a sociedade almeja devem vir da política. 

Leia também

Últimas notícias