hipocrisia

Conservadores atacam MAM com tese de que artistas corrompem crianças

Antes aliados de Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, grupos como o MBL não encontram mais como defender a luta contra a corrupção e passam a atacar obras e manifestações de arte, defende professor da Unicamp

divulgação, Wagner Schwartz

‘Impressionante como grupos ultraconservadores catalisaam os medos mais primitivos e ancestrais da humanidade’

São Paulo – “Impressionante como grupos organizados ultraconservadores (MBL etc.) conseguem catalisar os medos mais primitivos e ancestrais da humanidade no momento atual da crise”, afirmou, via redes sociais, o professor de história da Unicamp Aldair Rodrigues. O tema de sua crítica é a mais recente perseguição dos grupos de extrema direita do país a movimentos artísticos. Eles agora acusam o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) de estimular a “pedofilia”.

A polêmica teve origem na performance La Bête, do artista carioca Wagner Schwartz. Uma leitura interpretativa da obra Bicho, da renomada artista da Tropicália brasileira Lygia Clark (1920-1988). A exibição aconteceu ontem (28) em apresentação única e fechada como abertura da Mostra Panorama Arte Brasileira. Na apresentação, um homem nu, que pode interagir com os espectadores. Tal interação é característica marcante da obra de Lygia. “O nu está presente em todos os museus do mundo, é parte da história da arte”, afirma o curador do MAM, Felipe Chaimovich, em entrevista para a Carta Capital.

O professor da Unicamp lembra que o ataque dos grupos de extrema direita não foi isolado. “Tanto no caso do QueerMuseu como agora, na exposição do MAM, difundem a tese de que a esquerda quer corromper as crianças, incentivando e autorizando a pedofilia. Na histeria coletiva que antecedeu o golpe de 1964 e depois, durante a guerra fria, a direita também explorou bastante o medo ancestral de ataque às crianças: ‘comunistas comem criancinhas’”, afirma contextualizando a histórica ação da extrema direita de classificar tudo que considera imoral como “criminoso” e “de esquerda”.

“No contexto atual, o medo primitivo é projetado sobre grupos vulneráveis que conquistaram direitos e visibilidade nos últimos anos, principalmente a população LGBT. Enfim, materializam a ameaça à prole vulnerável e à perpetuação da espécie”, afirma o professor, que possui pós-doutorado na universidade norte-americana de Yale.

O curador do museu completa a defesa afirmando que “os museus possuem uma função pedagógica (…) de esclarecer”. A nudez apresentada não tinha nenhuma intenção erótica, entretanto, a polêmica ganhou ainda mais espaço entre os ultraconservadores após a publicação de um vídeo, aonde uma mãe interagiu com a apresentação junto de sua filha pequena. “A sala estava devidamente sinalizada sobre o teor da apresentação, incluindo a nudez artística, seguindo o procedimento adotado pela instituição”, afirmou em nota o MAM.

Em oposição ao QueerMuseu, que teve suas portas fechadas pelo financiador, Banco Santander, após os ataques de ódio, o MAM garantiu a defesa da arte. “O MAM reafirma que dedica especial atenção à orientação do público quanto ao teor de suas iniciativas, apontando com clareza, eventuais temas sensíveis em exposição. O Museu lamenta as interpretações açodadas e manifestações de ódio e de intimidação à liberdade de expressão que rapidamente se espalharam pelas redes sociais.”

Objetivo político

Rodrigues completa sua análise ao verificar que “nem tudo é irracional e inconsciente coletivo. Acho muita coincidência que essa recente ofensiva da direita e do MBL na sua busca por hegemonia no campo da arte aconteça em meados de 2017, quando o governo Temer vai sendo encurralado por denúncias de corrupção”, disse. O MBL cresceu após sua suposta “cruzada contra a corrupção”, que se mostrou específica contra membros de partidos da esquerda. No histórico do grupo, apoio a políticos como o ex-ministro de Temer Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) e o ex-presidente da Câmara, deputado federal cassado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ambos condenados por corrupção e presos.

“Devem ter percebido que a pauta da luta contra a corrupção não dava mais coesão para as bases que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff (PT). A luta pela moralização dos costumes pode resolver esse problema. Por outro lado, isso acaba reconfigurando aquelas, unindo cada vez mais, a direita neoliberal e o ultraconservadorismo evangélico”, completou.

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