Direito à manifestação

Em São Paulo, projeto quer punir organizações e lideranças de protestos de rua

Iniciativa do vereador Conte Lopes (PP) propõe multa e responsabilização de movimentos sociais e sindicatos caso ocorram danos ao patrimônio, mesmo se causados por um único indivíduo

Arquivo EBC

Projeto do vereador é mais um que procura restringir o direito de protesto no Brasil

São Paulo – Destacando que “protestar não é crime”, mas que deve haver um limite para que os atos não culminem “na violação do direito de outrem”, o vereador Conte Lopes (PP-SP) apresentou o Projeto de Lei (PL) 361/2017, que determina a responsabilização de sindicatos e movimentos sociais por problemas decorrentes de manifestações de rua.

“Os sindicatos, movimentos sociais, entidades públicas ou privadas e empresas organizadoras, quando identificados por meio de imagens, símbolos, siglas ou outros meios, serão responsáveis pelos custos oriundos dos serviços de limpeza urbana e da substituição ou reparação dos danos ao mobiliário urbano e equipamentos públicos ocorridos em vias públicas em função da ocorrência de eventos abertos ou fechados, manifestações, passeatas, desfiles ou outro tipo de concentração popular que culminem em depredação de coisa alheia, vandalismo, perigo à pessoa, ao patrimônio público ou particular, à paz pública ou à incolumidade pública, independentemente do disposto no artigo 2° desta Lei”, diz o Artigo 3º do projeto.

O PL estabelece que a responsabilização pode ocorrer por meio de um indivíduo “flagrado ou posteriormente identificado” cometendo dano ao mobiliário urbano ou equipamento público. A proposta do vereador também determina que as manifestações não podem bloquear total ou parcialmente ruas e avenidas que não sejam aquelas previamente informadas às autoridades. Em caso de descumprimento, haverá multa de R$ 5 mil.

Para Camila Marques, advogada e coordenadora do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da Artigo 19, o projeto de lei do vereador Conte Lopes se insere no contexto de inúmeras outras propostas que tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de limitar e restringir o direito de protesto e a liberdade de expressão.

A advogada da Artigo 19 explica que a maioria dos outros projetos visam a criar crimes ou alterar as legislações penais para aumentar a pena de um crime quando cometido durante um protesto. A proposta do vereador paulistano, entretanto, tem o objetivo de trazer responsabilidades na área administrativa e civil.

“A manifestação tem na sua essência o objetivo de causar alguma anormalidade para que ela possa chamar a atenção da sociedade e da mídia. Isso é normal e é a própria essência de um protesto de rua”, pondera Camila Marques. Por outro lado, ela afirma que “nenhum direito é absoluto” e que é preciso conciliar os diversos interesses.

“O direito de protesto e o direito de ir e vir podem coexistir numa sociedade. O direito de protesto é essencial numa democracia, então, não podemos afastar esse direito do conceito de ordem pública. Deve haver uma tolerância aos protestos sociais, existir uma adequação da cidade e das vias urbanas para que o protesto possa ocorrer sem causar grandes problemas. Na verdade são direitos complementares e não opostos, e que devem coexistir num Estado democrático.”

Segundo ela, a hipótese de o projeto ser aprovado é ainda mais preocupante pelo fato da cidade de São Paulo ter um histórico de repressão policial aos movimentos sociais e sindicatos, ampliado pela visibilidade da maior cidade do país.

“São Paulo é vista como paradigma para outros estados, como um grande exemplo, então é muito preocupante que o município seja um dos primeiros a aprovar esse tipo de legislação”, disse, lembrando o efeito cascata causado em outras cidades do Brasil pela aprovação da lei contra a pichação no começo da gestão João Doria (PSDB).

Aviso prévio

A obrigação imposta nos últimos anos pela Secretaria de Segurança Pública do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) para que sindicatos e movimentos sociais avisem o trajeto da manifestação, já tem sido motivo de grande disputa e polêmica. Isso porque o direito à manifestação, expresso na Constituição Federal, no inciso XVI do artigo 5º, diz que é necessário o “aviso prévio à autoridade competente”, mas nada fala sobre a delimitação do trajeto.

Por isso, na opinião de Camila Marques, na hipótese do projeto do vereador Conte Lopes ser aprovado, ele pode ser considerado inconstitucional. “A Constituição fala em aviso prévio, mas no sentido do Estado se organizar e permitir o processo. No entanto, de forma alguma esse aviso prévio pode restringir a manifestação ou burocratizar o ato, incluindo a definição do itinerário de forma rígida”, afirma.

“Muitas vezes as rotas são decididas quando o ato já está na rua, até mesmo por uma forma de segurança, porque quando a polícia sabe da rota antes, já se arma toda uma estrutura de repressão do protesto. Então o aviso prévio deve ser entendido como uma forma de facilitação do direito de protesto, jamais como instrumento para criar burocracias e, principalmente, não deve ser visto como autorização prévia. O Estado não pode escolher quais pautas devem ou não ser levada às ruas.”

A advogada da Artigo 19 também destaca a dificuldade de responsabilizar as lideranças do ato por uma atitude de outra pessoa, seja porque há movimentos que são horizontais, portanto sem liderança, ou mesmo naqueles casos em que há uma liderança clara, essa pessoa não pode, na opinião dela, ser responsabilizada pelo ato de um terceiro.

“A gente jamais poderia ter uma responsabilização de um movimento sem a individualização. Uma liderança não pode responder por um ato de terceiro, isso é muito complicado do ponto de vista jurídico. Como vai ser a comprovação? Como vai ser a vinculação entre quem causou o dano e a liderança do movimento?”, questiona, enfatizando que o texto do projeto de lei é vago nesse aspecto.

O PL 361 tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal, ainda sem relator designado.