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Com bombas e violência, polícia expulsa ocupantes de prédio no centro de Porto Alegre

Brigada Militar realiza operação de reintegração de posse da ocupação Lanceiros Negros, que abrigava crianças menores de seis anos e grávidas. Deputado estadual do PT é preso

Guilherme Santos/Sul21

BM usa gás contra quem estava em frente à ocupação Lanceiros Negros. Dentro do prédio, crianças e mulheres grávidas, também foram retiradas à força

Jornal Sul 21 – Com bombas de efeito moral, spray de pimenta e um forte aparato do Grupo de Ações Táticas Especiais, a Brigada Militar (BM) executou, no início da noite desta quarta-feira (14), a ação de reintegração de posse da Ocupação Lanceiros Negros, que ocupa um prédio pertencente ao governo do Estado na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves, no Centro de Porto Alegre. A BM cumpriu determinação da Justiça na segunda-feira anterior, que autorizava utilização da força contra os moradores.

A ação foi iniciada por volta das 19h, no momento em que era realizada uma audiência pública na Assembleia Legislativa – distante duas quadras do local – justamente sobre a ocupação. Proponente da reunião, o deputado Jeferson Fernandes (PT) levou a audiência para a porta da Lanceiros Negros, o que não impediu a BM de empregar força para liberar a entrada do prédio antes mesmo de um oficial de justiça comunicar aos moradores a decisão judicial, o que só ocorreu por volta das 19h20.

Antes da chegada do oficial de justiça, o deputado Fernandes já denunciava agressões por parte da polícia. Logo após a comunicação do oficial, os agentes usaram spray de pimenta e atacaram os manifestantes que estavam diante do prédio, incluindo o deputado, que posteriormente foi algemado e detido.

Por volta das 19h45, os policias arrancaram a porta da ocupação com uma caminhonete e entraram no prédio para iniciar a remoção dos moradores.

Ação de surpresa

Apesar de a decisão da Justiça permitir que fosse realizada a reintegração de posse a qualquer momento, até o final da tarde não havia nenhuma confirmação oficial de que a operação seria executada. Procurada pela reportagem do Sul21, por volta das 18h30, a assessoria de imprensa da BM não confirmava que a ação estivesse prevista.

Por outro lado, os moradores da ocupação já esperavam que algo pudesse ocorrer brevemente. No final da tarde, realizaram um ato para marcar a intenção de resistir à decisão, mas rapidamente já se fecharam dentro do prédio. Segundo o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), que coordena a ocupação desde o seu início, em novembro de 2015, entre 100 e 150 pessoas ocupavam a Lanceiros Negros – entre elas, 34 crianças, sendo seis com menos de um ano e duas mulheres grávidas .

“A gente tem bastante certeza porque amanhã é feriado, o Centro vai estar vazio, então a gente sabe que vai ser amanhã. Dado o que aconteceu na última reintegração de posse, a gente sabe que nas próximas horas o nosso perímetro vai ser fechado, para tentar impedir que as pessoas venham”, disse Nana Sanches, coordenadora do MLB, cerca de duas horas antes do início da ação da Brigada.

Lucimara de Lara Mira, 19 anos, que mora na ocupação com marido e filha de um mês de idade, prometia resistir até as últimas consequências. “A gente não tem para onde ir. Não tem outra opção, é ficar até o último, não tem outra escolha”, dizia, acrescentando, porém, temer uma ação da polícia. “Eles já estão com vontade de pegar a gente desde o ano passado. O medo é por causa deles. Só por causa deles”. Menos de duas horas depois, dezenas de policiais militares fortemente armados iniciaram a operação.

Prisões

O presidente da Assembleia Legislativa gaúcha(AL-RS), deputado Edegar Pretto (PT), afirmou que o parlamento do estado foi “violentamente afrontado” com a detenção do deputado Jeferson Fernandes durante a ação de reintegração de posse do prédio da ocupação Lanceiros Negros.

Pretto disse que foi informado da prisão de Jeferson quando estava participando de um evento na Assembleia Legislativa. Ele então se dirigiu ao Palácio da Polícia para esperar a chegada do colega, sendo informado que Jeferson tinha sido liberado diante do Theatro São Pedro. Momentos depois, Jeferson chegou ao Palácio da Polícia para registrar um boletim de ocorrência e fazer exame de corpo de delito.

“A Assembleia Legislativa está sendo violentamente afrontada neste momento, uma vez que um membro do Parlamento, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos, foi preso mesmo se identificando como parlamentar e como alguém que estava ali realizando um trabalho pela comissão. Foi preso, algemado, deitado no chão e agredido com cassetetes e spray de pimenta no rosto. Foi ferido fisicamente, machucado, mesmo os agentes do Estado que estavam ali sabendo que se tratava de um parlamentar”, disse Pretto.

Ele ainda disse que tentou entrar em contato com o governador José Ivo Sartori (PMDB), mas não obteve resposta.  

Quinta reintegração de posse 

Esta foi a quinta ação autorizada pela Justiça pela reintegração de posse do prédio – que estava abandonado há cerca de 10 anos antes de ser ocupado. Nas quatro vezes anteriores, os advogados da ocupação conseguiram reverter a decisão.

Na mais dramática delas, em maio de 2016, a Brigada Militar chegou a montar uma grande operação, isolando todos os acessos ao prédio durante a noite com a expectativa de remover os moradores pela manhã. Foram horas de tensão em que as famílias da Lanceiros permaneceram divididas entre quem conseguiu chegar em casa antes do bloqueio e aqueles que voltavam do trabalho quando a BM já havia isolado o perímetro. Ao amanhecer, porém, todos receberam a notícia de que uma liminar obtida na Justiça obrigava o Estado a suspender a ação.

Em todas as ocasiões em que as ações foram suspensas, a Justiça determinara que o governo do Estado oferecesse alternativas para as famílias, o que eles negam que tenha acontecido. “Eu tenho certeza que a Procuradoria do Estado vai dizer que deu muitas alternativas para nós. As alternativas dadas foram ‘voltem para a casa de vocês’. Nós dizíamos: ‘Quais casas? Vocês querem que a gente vá para a periferia, para o tráfico de drogas? Nós não vamos'”, diz Nana.

Ela diz ainda que a alternativa apresentada pelo governo do Estado mais próxima de ser de fato uma opção foi a possibilidade do aluguel social. No entanto, ela afirma que este programa apresenta atrasos constantes, o que motivou uma ocupação, no ano passado, do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) de Porto Alegre.

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