Educação

Audiência debate contrapontos à censura proposta pelo Escola sem Partido

Professores, estudantes e parlamentares se reuniram na Câmara Municipal de São Paulo nesta segunda-feira (19) e discutiram caminhos para frear tentativas de cercear a liberdade dos professores

Iniciativa partiu da vereadora Sâmia Bomfim (Psol)

São Paulo – “Não pensávamos em ter que levantar este debate neste momento. Existe a tentativa de criminalização, de cerceamento dos professores e de total controle do conteúdo”, afirmou a vereadora Sâmia Bomfim (Psol), durante audiência pública realizada na noite de ontem (19), na Câmara dos Vereadores de São Paulo. O objeto do debate foi um projeto de sua autoria, a Lei Escola sem Censura. “Precisamos fortalecer a perspectiva de educação libertadora em nossa cidade”, completou.

O projeto é uma resposta direta às investidas de setores conservadores de contra a liberdade de cátedra, por meio do chamado Escola sem Partido. “Desde o início do ano, existe um processo terrível de perseguição a escolas que estimulam reflexões críticas. Estas sofreram perseguições por parte de um vereador desta Casa”, disse, em referência a Fernando Holliday (DEM), ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL). Ele chegou a entrar em escolas e constranger professores durante as aulas, alegando cobrar um ensino sem posicionamento político.

A audiência Escolas Sem Censura e a Educação que Queremos reuniu nomes ligados à educação para refletir sobre o tema. Estiveram presentes o deputado estadual Carlos Giannazi (Psol), a ativista Manuela Aquino, da Escola Nacional Florestan Fernandes, ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), além de professores, como Lisete Arelado, da Universidade de São Paulo (USP), e estudantes secundaristas que participaram de movimentos de ocupação de escolas no ano passado, em especial contrários ao fechamento de escolas proposto pelo governo de Geraldo Alckmin (PSDB).

“O Escola sem Partido teve início durante as ocupações. É mais uma forma de nos calar e fazer com que o movimento ativista desapareça das escolas”, afirmou Vanessa Alves, secundarista da Escola Estadual Gavião Peixoto, em Diadema. “O Escola sem Partido não deveria existir, não é disso que precisamos.”

A estudante seguiu argumentando contra os objetivos do projeto conservador. “O Escola sem Partido impõe que não debatamos o porquê dos negros periféricos estarem no tráfico de drogas. Que não debatamos o porquê de meninas de 15 anos estarem grávidas. O porquê que o meu bairro, Perus, é líder em estupros. Não teremos aval para debater porque o salário dos professores é tão baixo, enquanto eles são ameaçados dentro das salas por jovens ligados ao tráfico de drogas.”

De acordo com Sâmia, com o objetivo de se contrapor ao modelo de censura, nascem as novas propostas. “Um projeto que visa a garantir a mais absoluta liberdade de expressão e pensamento no âmbito da educação, o pluralismo de ideias, o debate sem mordaças, a escuta respeitosa da opinião do outro, o respeito e a celebração da diversidade como valor democrático e a autonomia pedagógica das escolas, que devem formar cidadãos, e cidadãos informados, críticos, e com capacidade para pensar por si mesmos e conceber suas próprias opiniões e visões de mundo.”

O deputado estadual Carlos Giannazi lembrou o embate realizado na Assembleia Legislativa contra investidas de censura similares. “No ano passado, apresentamos um projeto de lei que chamamos de Escola de Liberdade, para contrapor três projetos, um do DEM, um do PSDB e outro do PPS. Conseguimos derrotar todos. Os projetos foram para a Comissão de Educação, onde os recepcionei com pareceres contrários. O Escola sem Partido foi derrotado”, afirma.

Giannazi também recordou que o tom autoritário dos defensores do Escola sem Partido ultrapassa a natureza do projeto. “Na época, fizemos uma audiência pública como esta e, mal começou, tivemos uma infiltração de pessoas ligadas a esses grupos fascistas. Eles subiram nas mesas, fizemos apelos para que debatessem, conversassem conosco, mas eles não queriam isso”, disse.

Manuela, da Escola Nacional Florestan Fernandes, propôs ampliar visões e dialogar por uma educação inclusiva e libertadora. “Vim para dizer que outras ideias são possíveis. É importante notar quais os interesses que movem a educação e pensar que o ensino não está fora da luta de classes”, disse.

Os presentes argumentaram sobre o sucateamento da educação e da ausência de recursos para que os professores realizem seus trabalhos. Manuela relacionou a precarização do trabalho desses profissionais a interesses comerciais. “Interesses econômicos pautam a educação. Vejam os conglomerados no ensino superior e também nos materiais didáticos”, citou.

“Sei que é muito difícil ter uma análise otimista, mas trago o exemplo da Escola Florestan Fernandes. Nossa experiência se inicia com apoio de nomes como José Saramago, Chico Buarque e Sebastião Salgado. A construção da escola foi feita por meio voluntário de brigadistas do MST. Então, não temos vínculo direto com o Estado, o que nos possibilita autonomia pedagógica”, completou.

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