fim da reforma agrária

Regularização fundiária de Temer fere Constituição, diz conselho de direitos humanos

Medida provisória sobre a regularização fundiária é alvo de críticas do CNDH: 'Padece de vícios que repercutem no exercício de direitos essenciais'

reprodução/ebc

Para CNDH, MP traz impacto ‘diretamente no exercício de direitos essenciais à dignidade humana’

São Paulo – O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) divulgou documento de repúdio à Medida Provisória (MP) 759/16, do presidente Michel Temer (PMDB). O projeto, que trata de regularização fundiária, é alvo de críticas de diferentes setores da sociedade, por prejudicar a população mais pobre.

Desde sua publicação, em 22 de dezembro, a MP já revogou leis ordinárias, entre as quais a Lei 11.977/2009, do Minha Casa, Minha Vida, que também regula a questão fundiária de assentamentos de áreas urbanas com interesse social. Para o CNDH, a MP “padece de vícios de inconstitucionalidade (…) que repercutem diretamente no exercício de direitos essenciais à dignidade humana”.

A controvérsia em relação à Constituição diz respeito ao artigo 3º, que coloca como objetivo da República brasileira a redução das desigualdades sociais e regionais. De acordo com o CNDH, a MP inverte “toda a lógica que vem sendo construída no ordenamento jurídico no campo da política urbana e agrária, pautada na função social da propriedade e no acesso à terra e à cidade, na melhoria da qualidade de vida das pessoas”. Para o órgão, o projeto de Temer “promove uma lógica voltada exclusivamente ao mercado”, sem se preocupar com justiça social.

 “As comunidades rurais serão prejudicadas pela facilitação da concentração fundiária e pelo potencial aumento de conflitos agrários violentos. E as urbanas serão prejudicadas com a revogação dos procedimentos de regularização fundiária urbana que dependem de nova regulamentação para ter continuidade”, explica Darci Frigo, presidente do CNDH. 

A questão da participação democrática também é alvo de questionamentos pelo órgão. O projeto foi apresentado às pressas, já nos últimos dias de 2016, sem debate prévio. “Não foram respeitados nenhum dos espaços institucionais de gestão democrática para promover o diálogo com a sociedade civil, instituições públicas e entes federativos que desempenham distintos papeis na aplicação, na execução, no monitoramento, na fiscalização”, afirma o documento. “É uma questão complexa, de grande relevância social, que exige um debate aprofundado com os atores sociais que já tem um acúmulo sobre o tema e que serão diretamente afetados”, afirma Frigo.

Além de eliminar a lei que instituiu o Minha Casa, Minha Vida e regularizou assentamentos em áreas urbanas, a MP anula outras leis como o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), que prevê a “regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda”. Ante o consideram ataques a direitos históricos, construídos a partir de amplo debate pela Reforma Agrária, 90 organizações e movimentos sociais assinaram o documento Carta ao Brasil: MP 759/2016 – A desconstrução da regularização fundiária no Brasil.

O conselho considera que a MP desrespeita o arcabouço jurídico brasileiro. “Leis reconhecidas nos foros internacionais como um conjunto legislativo dos mais avançados em matéria de diversidade de instrumentos e de regularização fundiária, especialmente no que tange aos aspectos de interesse social”. O texto da MP, acusa o órgão, não estabelece critérios de seleção para a transferência de terras públicas, “de modo a evitar que os destinatários sejam pessoas com alta renda ou proprietários de grandes áreas”, o que privilegia os latifundiários e “desconsidera” a reforma agrária e a justiça social.

A recomendação final do CNDH é direcionada ao presidente da República, ao presidente do Congresso, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), e ao Ministério Público Federal (MPF). Para Temer, o pedido é para a retirada da MP, com abertura de “um amplo processo de discussão. Já ao Congresso, a recomendação é de suspender a tramitação de Projeto de Lei oriundo da MP. Ao MPF, a orientação é para fiscalizar a legalidade das ações propostas pelo governo Temer.

Mesmo com efeitos imediatos, a MP ainda passa pela aprovação do Congresso em diferentes pontos. Para tal, o Parlamento montou uma comissão mista para debater a questão. O parecer do relator, senador Romero Jucá (PMDB-RR), que reforça o conteúdo do projeto, deve ser votado ainda nesta semana. Se aprovado, a MP passa por votação nos plenários das Casas legislativas para ganhar força de lei.