gestão higienista

Ações autoritárias na Cracolândia mostram ‘miséria de políticas públicas’

Professor e presidente da Abramd, Rubens Adorno, também critica a transformação da região central para satisfazer os interesses do setor imobiliário

Mídia NINJA

Segundo Adorno, como o crack é usado por pessoas de baixa renda, a discriminação e repressão é maior

São Paulo – Para o professor, sociólogo e presidente da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas (Abramd), Rubens Adorno, a cidade de São Paulo, especialmente a região da chamada Cracolândia, no centro da capital, é, hoje, um “palco explícito de uma guerra que usa práticas do passado escravocrata, ditatorial e autoritário”. O professor critica as operações comandadas pelo prefeito da capital, João Doria, e pelo governador do estado, Geraldo Alckmin, (ambos do PSDB), contra a população local, sob a alegação de combate ao tráfico de drogas. 

Por e-mail, Rubens critica o autoritarismo da prefeitura que, segundo ele, é o “exemplo mais acabado da miséria de nossas políticas públicas”. “Cuidar e acolher exigem um processo com a ação da ciência e da diversidade, de local para morar, recurso para se alimentar e se vestir, respeitando a intimidade como direito humano, seja de pobres, médios ou ricos”, escreve o professor, para quem o que a política que vem sendo chamada de higienista quer é “varrer os corpos indesejáveis e fazê-los desaparecer da visibilidade urbana”.

O doutor em Saúde Pública também critica a tentativa de transformação da região para satisfazer os interesses do setor imobiliário. “Apenas com ironias poderíamos descrever as práticas fascistas e a manutenção dos modos de vida dos protegidos da cidade, movida pela propulsão do mercado, da especulação imobiliária”, afirma.

Rubens chama a atenção para os maus tratos dirigidos aos dependentes químicos pelo poder público e pela sociedade em geral. Segundo o especialista, pelo fato de o crack ser consumido, em sua grande maioria, por pessoas muito pobres e até miseráveis, há uma discriminação maior contra essa população, do que contra dependentes de outras substâncias ilícitas, como a cocaína e o álcool, por exemplo.

De Braços Abertos

Ainda no dia 21, quando deu a ordem para a invasão da Cracolândia pela PM e pela GCM, o prefeito João Doria anunciou, sem qualquer debate com a sociedade civil, o fim do programa De Braços Abertos, implementado na gestão de Fernando Haddad (PT, 2013-2016) e que oferecia moradia, alimentação, trabalho remunerado e tratamento para dependentes que optassem livremente por participar – e que já foi premiado por entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA). “Foi, talvez, a melhor iniciativa que tenha sido feita em São Paulo”, avalia o presidente da Abramd, que considera o programa o exemplo mais próximo de uma boa política pública de redução de danos.

Rubens lamenta a extinção do programa pela gestão Doria.”Apenas iniciamos uma tímida política pública mais inteligente e heurística no sentido de poder experimentar uma forma de ação mais abrangente e inclusiva para enfrentar um problema contemporâneo, e ela já se vê desativada por uma estratégia repressiva”.