encarceramento em massa

Manifestantes fazem vigília e pedem soltura imediata de Rafael Braga

“O Judiciário tem um histórico de encarcerar e sentenciar à morte pobres e negros. O tratamento é diferente. Sabemos qual é o modelo', disse no ato público Débora Maria da Silva, do Mães de Maio

reprodução/facebook/Ignacio Aronovich

Braga virou símbolo do movimento negro após ter sido preso durante protestos de junho de 2013 por porte de produtos de limpeza

São Paulo – “Sabemos que o Judiciário é racista e classista. Estamos aqui para dizer basta ao encarceramento em massa e exigir a soltura imediata de Rafael Braga”, afirmou Débora Maria da Silva, do movimento Mães de Maio. Manifestantes vestidos de preto e carregando velas tomaram na noite de desta segunda-feira (24) parte da Avenida Paulista, na região central de São Paulo. Eles estavam em vigília contra a condenação do ex-catador de latas Rafael Braga a 11 anos de prisão.

Braga virou símbolo após ter sido preso durante protestos de junho de 2013 por portar de produtos de limpeza. Na ocasião, acusaram o jovem de carregar desinfetante com a intenção de preparar artefatos explosivos. “Ele tem a história do pobre e do negro no Brasil. Preto, pobre e criminalizado. Ele foi vítima de perseguição, de um forjamento”, continuou Débora. Braga cumpria pena em regime aberto quando, em janeiro de 2016, foi novamente preso por portar 0,6 grama de maconha, 9,3 gramas de cocaína e um rojão.

Sentenciado por tráfico de drogas e associação ao tráfico, Braga agora é mais um número dentro do sistema carcerário. “Não existe combate ao tráfico de drogas, e sim um combate à população periférica. Estamos aqui para dar um ombro amigo a Adriana, mãe de Rafael. Não podemos aceitar que essa mulher continue sofrendo com seu filho condenado a escravo do sistema prisional inocentemente”, disse a fundadora do Mães de Maio.

reprodução/facebook/brachasemanáriocartazesbraga.jpg
Os presentes escreveram cartazes e acenderam velas durante a vigília

“O Judiciário tem um histórico de encarcerar e sentenciar à morte pobres e negros. O tratamento é diferente. Sabemos qual é o modelo. Perdi um filho que trabalhou no dia em que ele foi executado, em maio de 2006. Ele morreu com o holerite do mês no bolso. Já perguntei para membros do Judiciário se existem ricos no sistema prisional. Na época, um desembargador falou para mim que se não existe é porque os advogados encontram brechas na lei. Tive que terminar o debate porque isso não existe. Existe é um peso diferente na balança dessa Justiça racista, classista e partidária”, completou a ativista.

A concentração da vigília começou por volta das 18h no vão livre do Masp, tomando uma horas depois parte das faixas da avenida no sentido da Rua da Consolação. “Estamos todos em vigília por Rafael Braga que foi condenado por duas vezes por racismo. Na primeira vez, por portar Pinho Sol. Agora, foi incriminado de forma forjada. Não aceitamos mais. Pelo fim dessa política”, disseram os presentes em jogral. Às 19h40, os manifestantes seguiram com o ato simbólico até o prédio do escritório da Presidência da República, próximo ao cruzamento da Paulista com a Rua Augusta. A manifestação foi encerrada por volta das 21h.

Reação popular

“Esses ‘gambés’ e esses juízes pilantras que condenaram Rafael Braga fizeram isso na maior cara de pau porque sabem que suas vidas vão continuar numa boa. Esses caras estão tranquilos, fazem horrores e ficam impunes. Temos que fazer algo para que o povo saiba a história do Rafael”, disse Fábio Hideki Harano, ativista preso em um protesto contra a Copa do Mundo Rio 2014. Na ocasião, Harano relatou ter sido agredido por policiais do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).

reprodução/facebook/Jorge Ferreiramaesdemaio.jpg
‘Rafael tem a história do pobre e do negro no Brasil. Preto, pobre e criminalizado’, disse Débora

“Poucas pessoas sabem dessas histórias e isso não é à toa. Temos monopólios nas mídias do país. Nós fazemos o que podemos, mas temos que nos mobilizar para expor a cara desses juízes que caluniaram e forjaram contra o Rafael. Esses pilantras têm que ter suas vidas estragadas. É preciso de mobilização real”, completou Harano.

Presente entre os manifestantes, o artista de rua Bruninho deixou um desabafo para os presentes: “Sou sofredor, o que aconteceu na minha vida é a realidade. Passei pela Fundação Casa e hoje estou de pé. Quero entrar na humanidade de cabeça erguida, mas sabe o que um policial me disse aqui mesmo na Paulista? Que eu sou um lixo para a humanidade só porque tenho passagem. Minha guerra é contra as injustiças dos fardas cinzas. Prenderam o menino por causa de um desinfetante? Isso não entra na minha mente. Pinho Sol? Desinfetante, amaciante, cera líquida? Racistas!”.

Dona Zilda, das Mães de Osasco, também conhece de perto a violência do Estado. Perdeu seu único filho em uma chacina na cidade. “Parece que não escutam a gente. Não é a primeira vez nem vai ser a última. Estou profundamente abalada. O caso do Rafael é sequela, sequência. A coisa está cada vez pior. E se nos revoltarmos? Somos a maioria. Falam de terrorismo lá fora, mas ele está aqui dentro. Fico tão abalada com a morte do meu filho quanto com essa situação. Temos que aceitar quietos? A polícia está passando por cima de tudo. Como vamos respeitar? Só temos é medo”, afirmou.