doria doria doria

iaco Viana, artista pedra no sapato de Doria, fala sobre arte, liberdade e censura

Artista plástico chegou a ser detido por assinar sobrenome do prefeito de São Paulo na Avenida 23 de Maio. 'Se começarem a censurar escritas em muros, imagina o que podem fazer com a imprensa'

instagram/iaco_art

“Eu não mostro o rosto porque me preservo. E meu trabalho tem que falar mais do que minha imagem”, afirma o artista

São Paulo – iaco Viana (assim mesmo, com “i” minúsculo) tem 34 anos e é formado em artes visuais. Ex-professor de Educação Artística em escola estadual, começou no pixo em 1996. “No ano 2000 comecei a fazer ‘iaco’ em uma tipografia com letra cursiva estilizada para poder diferenciar da pichação tradicional e alcançar o maior número de pessoas”, afirma. O que ele não esperava na época é que, em 2017, ele alcançaria o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB).

O tucano, logo no início de seu mandato, escolheu a categoria como inimigo. Com sua operação Cidade Linda, pintou de cinza partes da cidade e, inclusive, passou uma borracha sobre um dos maiores e mais notáveis painéis de arte urbana do mundo: o corredor da Avenida 23 de Maio. “Perdemos um muro que era referência da Street Art no mundo inteiro por disputa política e ego (…) Os valores parecem estar invertidos porque a lata de spray não é uma ‘arma’, então por que os grafiteiros ou pichadores estão sendo chamados de ‘criminosos’?”, questionou o artista.

Em protesto à criminalização da arte urbana, iaco passou a assinar “doria” nas paredes da cidade, com sua tipografia tradicional. “Talvez seja um marketing dele, mas de qualquer forma é um erro pois se trata de uma das culturas mais fortes do país, que é reconhecida internacionalmente como uma das maiores referências de arte urbana”, critica. Em oposição, o prefeito diz que não tem nada contra o “graffiti”, mas sim contra o pixo, especificamente.

“Ele aceita o que é colorido, como a maioria das pessoas da cidade. Faz bem para os olhos. O difícil é pensar, olhar para um muro ou uma tela e analisar, observar, achar algo além do colorido ou bonito. Olhar um Romero Britto ou Kobra é fácil. Quero ver olhar Kandinsky ou pichação: observar, analisar e querer entender. Arte tem muito a ver com despertar dos sentimentos”, afirma contundente o artista.

Por causa de sua característica desafiadora, iaco foi detido no dia 22. Ele estava em sua antiga casa quando foi abordado. “O autor será multado nos termos da Lei Cidade Linda”, disse a prefeitura. Então, ele foi levado para prestar depoimento no Departamento Estadual de Investigações Criminais da Polícia Civil (Deic), e liberado na sequência. Ainda em janeiro, o artista havia escrito 12 vezes o nome de Doria no avenida.

A visita da polícia trouxe transtornos para o artista. “Pelo fato da polícia ir em minha residência tive que procurar um lugar para me instalar às pressas. Agora, ele organiza um financiamento coletivo, ou um “bazar online”, como classifica, para arcar com custos de um novo espaço, onde também possa produzir suas pinturas. Mas iaco não lamenta o fato. “Queria dizer que apesar das adversidades da vida, cada dia que passa podemos ‘ser’ e não só ‘existir’”, afirma.

instagram/@iaco_art
‘Olhar um Romero Britto ou Kobra é fácil. Quero ver olhar Kandinsky ou pichação.

Quem é iaco Viana? Quantos anos tem?

Meu nome é iaco Viana, tenho 34 anos, formado em artes visuais, sou ex professor de Educação Artística em escola estadual.

Desde que ano você assina na rua? Qual foi sua trajetória?

Em 1996 comecei a ter meu contato na rua através da pichação feita de forma tradicional, mesma tipografia que é feita até os dias de hoje. No ano de 2000 comecei a fazer “iaco” numa tipografia feita com letra cursiva estilizada, para poder diferenciar da pichação tradicional e poder alcançar o maior número de pessoas. Em 2002 comecei a acrescentar adjetivos pra tornar algo mais participativo com a sociedade como se fosse uma troca e junto da escrita um desenho de dinossauro pra trazer a ideia de “extinção”.

O que te fez começar?

Sempre gostei e estudava muito sobre arte e acreditava que podia também fazer parte da história de alguma forma, seja ela pintando ou escrevendo. Comecei a observar os muros e ver que ali podia ser um dos melhores suportes pra começar.

“Vejo pessoas brigando, discutindo só por não aceitar a opinião do próximo, mas isso tem muito a ver com esse estimulo ao ódio que o prefeito prega em seus discursos”, disse iaco

Como você classifica a sua arte?

Não gosto de por rótulos no que faço. Por isso não me considero nem grafiteiro nem pichador, acho que isso limita muito a pessoa. Apenas escrevo e faço meus desenhos em muros. Rótulo lembra muito produtos de mercado. Mas vejo que as pessoas tem necessidade de ser alguém ou fazer parte de algo.

Quais os pixos favoritos? Qual sua obra mais marcante?

Gosto muito da Avenida 23 de Maio, Avenida Paulista e dos museus de São Paulo apesar de serem pagos. Não tenho uma obra que possa falar que é minha preferida porque toda vez que sai pra pintar pra mim é algo especial. Gosto do que faço e vivo pra isso, e pelo fato de ser tão efêmero, acabei não criando muitos laços afetivos. Vivendo na 3° maior cidade do mundo ter o nome reconhecido pelo que faço já é um marco.

Como você vê a arte nas paredes, no caos urbano? O que você quer passar?

Acho que do mesmo jeito que pra mim foi referência, pra algumas pessoas também pode ser é uma. Creio que serve pra contextualizar, serve pra despertar sentimentos, interagir com o cotidiano​. Para mim, esse é meu ideal e também o papel da arte. Só torno o muro um suporte mais acessível aos olhos.

Você foi pego alguma vez antes do dia que foi levado ao Deic?

Como muitas pessoas tanto que fazem graffitis ou pichações já fui outras vezes pra delegacia pra responder sobre crime ambiental que a lei da qual se é punido. Lei desatualizada, aliás. A maioria dos graffitis de São Paulo, tirando esses de projetos da prefeitura são feitos de forma ilegal, porque para conseguir pegar autorização de alguém é muito difícil.

Sobre esse dia, os policiais foram invasivos? Truculentos?

Sobre o dia que recebi a visita do Deic, fui tratado muito bem. O que achei invasivo e ditatorial é desviar uma instituição como Deic pra investigar minha vida como se fosse um criminoso. Parece que não tem crime em São Paulo, ou coisas mais importantes pra fazer na cidade. Eles tinham um relatório de mais de 300 páginas, inclusive, com dados pessoais (fotos minhas, conta bancária…)

O que de mal isso trouxe para sua vida? E de bom?

Acredito que tem males que vêm pra bem. Agora posso ter a oportunidade de explicar o que faço de uma forma mais ampla. Mesmo tendo todo o transtorno de ter que mudar de casa para evitar ao máximo minha exposição pessoal.

“Se começarem a censurar escritas em muros, imagina o que podem fazer com a imprensa. Isso não é uma luta só minha, mas dá liberdade de expressão”, afirma o artista

O que você acha que levou o prefeito a ter essa atitude de ataque à arte urbana? Ego, populismo, enfim…

Acredito que é uma mistura de tudo isso. Talvez seja pelo estilo autoritário. É complicado falar sobre isso. Talvez seja um marketing. Mas de qualquer forma é um erro, pois se trata de umas das culturas mais fortes do país que é reconhecida internacionalmente como uma das maiores referências de arte urbana.

O Doria diz que um tipo de pintura é arte de rua e outro não. Ele está certo em classificar?

Acho que gosto não se discute. Ele aceita o que é colorido como a maioria das pessoas dá cidade. Faz bem pros olhos. O difícil é pensar, olhar pra um muro ou uma tela e analisar, observar, achar algo além do colorido do bonito. Olhar um Romero Britto ou Kobra é fácil. Quero ver olhar Kandisky e pichação: observar, analisar e querer entender arte tem muito a ver com despertar sentimentos. Minhas referências vão além dá caixa de sabão em pó ou de lata de panetone.

Se você fosse chamado pelo Doria para fazer um trabalho que ele considere correto ou bonito. Você faria?

A partir do momento que você direciona o trabalho de alguém, você está sendo manipulado e coagido. Arte não funciona assim.

Como vê a repercussão que seus atos de protesto contra o Doria tiveram?

Acho que foi positivo. Faz as pessoas discutirem um pouco sobre como devemos aceitar as coisas que são impostas. Vejo a internet apesar de tudo como algo bom. Lógico que também vejo pessoas brigando, discutindo só por não aceitar a opinião do próximo, mas isso tem muito a ver com esse estimulo ao ódio que o prefeito prega em seus discursos, além de matérias tendenciosas. Como ser imparcial se só tem uma pessoa falando: o prefeito.

E ainda tentaram denegrir minha imagem. Eu não fui preso nenhuma vez, mas sim levado pra prestar depoimento. Eu não mostro o rosto porque me preservo e meu trabalho tem que falar mais do que minha imagem.

É meio óbvio que o que faço não se caracteriza pichação e sim uma “intervenção artística”, já inclusive justificado pela própria lei. Se começarem a censurar escritas em muros, imagina o que podem fazer com a imprensa. Isso não é uma luta só minha, mas dá liberdade de expressão.

 

Leia também

Últimas notícias