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Temer tentou minar ação da ONU em monitorar impactos do ajuste fiscal

Governo brasileiro é criticado depois de votar contra monitoramento de impactos de reformas econômicas sobre os direitos humanos. Mudança ocorre após ressalvas das Nações Unidas a medidas de Temer

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Brasil tentou minar a capacidade da ONU de monitorar os impactos negativos das medidas de austeridade

São Paulo – Sob a batuta do presidente Michel Temer, o Brasil deu voto inédito no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na quinta-feira (23), e se posicionou contra a renovação do mandato do relator especial sobre dívida externa, Juan Pablo Bohoslavsky, que tinha a responsabilidade de monitorar o impacto negativo de medidas econômicas sobre os direitos humanos. Para especialistas, Temer tentou “minar” a capacidade da ONU de monitorar problemas sociais das medidas de austeridade.

A posição do Brasil foi vencida e por 31 votos a favor e 16 contra, a resolução que renova o mandato do relator por mais três anos foi aprovada, garantindo o monitoramento dos impactos de ajustes fiscais sobre políticas sociais.

Justificando a mudança de posição do Brasil, a representante do país junto à ONU em Genebra, embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, defendeu a agenda de reformas econômicas de Temer. “[A resolução aprovada] vai contra elementos centrais das atuais políticas econômicas do Brasil, particularmente nossos árduos esforços para recuperar o equilíbrio fiscal e, assim, preservar e proteger as políticas sociais no país”, disse. 

A embaixadora também criticou que o mandato do relator sobre dívida externa incentiva a elaboração diretrizes para avaliar o impacto negativo de reformas econômicas sobre os direitos humanos. Para Maria Nazareth a iniciativa caberia aos países. O Brasil estava afastado do Conselho desde final de 2015 e assumiu um novo mandato em janeiro deste ano.

“A mudança de voto deve ser tratada não só como um redirecionamento diplomático, mas como uma tentativa deliberada de impedir que os impactos das reformas econômicas sejam avaliados – e eventualmente criticados – pela ONU, num sinal bastante preocupante de como o país deve se portar daqui para frente no órgão”, afirma a coordenadora de Política Externa da Conectas Direitos Humanos, Camila Lissa Asano.

Antes disso, em dezembro de 2016, o relator especial para pobreza extrema Philip Alston afirmou que a Emenda Constitucional 95 – que limita os investimentos públicos em políticas sociais por duas décadas, aprovada em no ano passado – era “radical” e “sem compaixão”, além de “incompatível” com as obrigações de direitos humanos assumidas pelo Brasil. Alston lembrou que estudos econômicos internacionais, incluindo pesquisas do Fundo Monetário Internacional (FMI), apontam que medidas como esta podem reduzir a renda e aumentar o desemprego e a desigualdade de renda.

“O governo Temer sabe que os especialistas da ONU são críticos às medidas de ajuste fiscal que têm sido adotadas pelo Brasil recentemente, como a Emenda Constitucional 95, que congela os gastos para saúde e educação”, disse Camila. “Com o voto contrário, o Brasil tentou minar a capacidade da ONU de monitorar os impactos negativos que medidas de austeridade têm sobre os direitos sociais da população.”