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Repressão seletiva a protestos ficou evidente após impeachment, aponta organização

Relatório mostra principais métodos de criminalização de manifestações, como a utilização de tipos penais incomuns e até inexistentes para acusar manifestantes

Adriano Vizoni/Folhapress

Além da repressão policial, criminalização de protestos tem se dado por ações do Legislativo e do Judiciário

São Paulo – Em seu terceiro relatório de análise a violações contra o direito de manifestação no Brasil, a ONG Artigo 19 ressalta uma articulação dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – para criminalizar os protestos considerados indesejáveis. A organização destaca ainda a “inovação” das forças de segurança na aplicação da lei penal para justificar a repressão a manifestações e a prisão de ativistas, além da evidente diferença de tratamento de acordo com a orientação política do protesto, sobretudo após a consolidação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

“A repressão pura, simples e violenta de 2013 veio acompanhada, no ano seguinte, de uma estratégia coordenada de autoridades públicas para se contrapor aos protestos indesejados”. A análise no documento da Artigo 19 compreende o período entre agosto de 2015 e dezembro de 2016. Nesse tempo, destaca o documento, fica evidente a distinção entre os protestos, de acordo com a posição política dos participantes.

“Antes da aprovação do impeachment no Senado Federal, a maior parte das manifestações transcorreu com certa tranquilidade, com incidentes pontuais registrados apenas em alguns casos. No entanto, a partir de 29 de agosto de 2016, nos últimos dias do processo de impeachment, ocorreu uma série de protestos contrários à saída de Dilma Rousseff que foram sistematicamente reprimidos por forças policiais”, descreve a Artigo 19.

Segundo o relatório da Artigo 19, apenas na semana dos dias 29 de agosto a 05 de setembro foram registradas ações de repressão policial em ao menos 24 protestos contrários ao impeachment, em nove estados diferentes. Porém, os atos favoráveis ao impeachment não registraram nenhum caso de repressão. Mesmo quando um grupo pequeno de manifestantes ocupou a Avenida Paulista, em São Paulo, com barracas, sem prévio aviso, a PM apenas isolou a área.

Um dos principais abusos ocorridos no período foi a utilização de tipos penais incomuns para criminalizar manifestantes, como corrupção de menores, aplicada contra organizadores para responsabilizá-los pela presença de adolescentes nos atos; invasão de domicílio, aplicada contra ocupação de prédios públicos ou privados; e dano tentado, antecipando-se a um suposto delito que poderia ser praticado.

Também foram realizadas detenções por tipos penais inexistentes, como “participação em manifestação”, “captação de imagens” e “atrapalhar a detenção de outrem”. No período analisado no relatório, foram registradas 1.244 detenções de manifestantes, sendo boa parte delas consideradas arbitrárias.

Junto a essas novas formas de justificar a detenção, uma ação da Polícia Militar paulista recebeu destaque da publicação: a exigência de aviso prévio e itinerário para a realização de manifestações. A Constituição Federal determina o aviso, mas não define a forma nem o prazo de antecedência. Para a ONG, esse não seria motivo suficiente para impedir as manifestações. No entanto, desde janeiro do ano passado, muitos protestos foram violentamente reprimidos, deixando vários feridos, sob essa alegação.

Além da ação repressiva da polícia, no Poder Legislativo foram várias as iniciativas para limitar o direito de protesto. Foram contabilizados 22 projetos de lei que restringem direta ou indiretamente o direito de protesto, desde 2015. Dentre os considerados mais graves estão a Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016) e a proibição do bloqueio de ruas e avenidas (Lei 13.281/2016). No entanto, outros projetos que criminalizam as manifestações estão em tramitação no Congresso Nacional.

No Poder Judiciário, a situação não é muito diferente, segundo a Artigo 19. Enquanto praticamente nada é feito sobre as denúncias de abuso por parte das forças de segurança, os ativistas têm sido alvo dos mais variados tipos de processo. “Manifestantes sofreram processos com bases muito frágeis do ponto de vista jurídico. Há também exemplos de pessoas que vêm sendo alvo de inquéritos policiais e processos judiciais por acusações vagas, como ‘apologia’ e ‘incitação’ ao crime, bem como ações judiciais que impedem manifestações antes mesmo que elas ocorram”, relata a organização.

Dentre os casos destacados está a prisão de Rafael Braga Vieira, ex-catador de latinhas e que já esteve em situação de rua, detido durante uma manifestação da qual nem sequer participava e indiciado por “porte de artefato explosivo”. No momento da detenção, Rafael estava em posse de duas garrafas: uma contendo Pinho Sol e a outra, água sanitária.

Outro caso é o do fotojornalista Sérgio Silva, que perdeu a visão do olho esquerdo ao ser atingido por uma bala de borracha, enquanto cobria uma manifestação em junho de 2013. Seu pedido de indenização foi negado pela Justiça paulista, sob argumento de que ele se colocou em risco, sendo considerado o único responsável pelo ocorrido. 

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