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MP de Temer desconstrói regularização fundiária e prejudica população pobre

Segundo especialista, a medida elimina a lei que criou o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de assentamentos

Divulgação/Governo do Amazonas

‘Temos o risco de ter todos os procedimentos de regularização fundiária paralisado’, alerta o especialista

São Paulo – Para o arquiteto e urbanista Patrick Carvalho, a Medida Provisória (MP) 759/16, do governo de Michel Temer, promove a desconstrução da regularização fundiária no Brasil, além de prejudicar a população mais pobre. “Nos assentamentos, por exemplo, não estão previstas obras de infraestrutura, presentes em legislações anteriores, como Estatuto da Cidade e Regularização Fundiária Urbana”, afirma o urbanista em entrevista à Rádio Brasil Atual.

A MP, publicada em dezembro de 2016, trata sobre diversas normas de direitos fundamentais como moradia, função social da propriedade e direito ao meio ambiente. Segundo especialista, a medida também elimina a Lei 11.977/2009, que criou o Programa Minha Casa, Minha Vida, e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.

Em primeira instância, temos o risco de ter todos os procedimentos de regularização fundiária que estavam em curso paralisados por uma legislação que não foi discutida com os operadores da regularização, como os municípios e também os especialistas”, alerta Carvalho.

Para se manifestar contra a MP, cerca de 90 organizações e movimentos sociais assinaram o documento Carta ao Brasil: MP 759/2016 – A desconstrução da regularização fundiária no Brasil, em dezembro. Entre eles estão o Fórum Nacional de Reforma Urbana, o Instituto Sociambiental (ISA), o Instituto Pólis e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Leia um trecho da entrevista:

Essa medida derruba uma legislação que defende o uso da terra para interesse social. Como você analisa a MP? 

Essa MP elimina um marco legal que foi construído ao longo de vários anos, consolidado em 2009 na Lei 11.977, que também criou o Minha Casa, Minha Vida. Essa legislação é muito nova para ser revogada inteiramente. 

Em primeira instância, temos o risco de ter todos os procedimentos de regularização fundiária, que estavam em curso, paralisados por uma legislação que não foi discutida com os operadores da regularização, como os municípios e também os especialistas. 

Na questão urbana, quais os problemas que a MP traz? 

A lei que foi revogada tinha disposições claras para a regularização fundiária. Quando você tira o fio condutor de um processo complexo, como é a regularização, e se coloca como principal elemento o título, que é só o momento final da regularização, a gente corre o risco de não garantir as melhorias nos assentamentos informais.

Antes da MP, era estabelecido uma sequência de obras que seriam feitas. A lei anterior tinha um conceito de infraestrutura básica, por exemplo uma infraestrutura que um assento informal precisaria ter para ser regularizado. A MP define que o assentamento precisa ter uma infraestrutura mínima, mas não fala o que é. Se não há uma definição clara sobre o que os municípios precisam criar para regularizar os assentamentos, onde isso será definido? Quem vai garantir que eles serão integrados à cidade e terão as condições urbanas melhoradas? 

É a construção de um paradigma na qual se entregam milhões de documentos sem se garantir as condições efetivas de moradia para a população. Anteriormente, era o paradigma para garantir a titulação no cartório, mas também a melhoria nas condições de vida na cidade.

Outro aspecto que tinha na lei anterior e agora desapareceu é a questão da possibilidade, na regularização fundiária, de redução das exigências urbanísticas, é um dos pressupostos da organização fundiária. O assento urbano informal se consolida sem um projeto prévio, então quando você o regulariza você tem de tratar cada caso como único e estabelecer os parâmetros mínimos. A MP estabelece que em todos os casos de regularização fundiária fica admitido a redução dos preceitos urbanísticos. Isso é um risco, ela faz um tratamento igualitário da regularização social com a de interesse específico.

A regularização fundiária das favelas é de interesse social, porque não é uma opção dessas famílias estarem lá, mas uma necessidade. Agora, a regularização de interesse específico são loteamentos irregulares de alta renda, mas por escolha dos adquirentes. Tratar os dois da mesma forma é um erro. 

Há uma carta na internet contra a MP? 

Tem uma carta assinada por várias instituições. Ela pede que seja feita uma maior discussão sobre essa legislação. 

Essa MP não trata só da área fundiária, ela fala de temas mais complexos como a Reforma Agrária, regularização fundiária na Amazônia legal, novas normas para alienação de patrimônio da União. Ou seja, são temas que tem que ser discutidos com a sociedade. As pautas são tão complexas que no Congresso apresentaram mais de 700 emendas. É uma MP precipitada e que não segue o Estatuto da Cidade e Regularização Fundiária Urbana.

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