São PAulo

Corte do Leve Leite na gestão Doria pode afetar saúde de crianças e adolescentes

Nutricionista alerta que consumo de leite garante nutrientes essenciais para o desenvolvimento dessa população entre 7 e 14 anos

Suamy Beydoun/Agif/Folhapress

Gestão Doria garante que corte no Leve Leite não vai afetar saúde de crianças, mas nutricionista discorda

São Paulo – O corte no programa Leve Leite, que distribui dois quilos de leite em pó para crianças e adolescentes até 14 anos na rede municipal de educação, proposto pela gestão do prefeito da capital paulista, João Doria (PSDB), pode afetar o desenvolvimento e a saúde futura das crianças de 7 a 14 anos, que serão excluídas do programa. “O consumo de leite é muito importante também entre os sete e os 14 anos para o desenvolvimento e a consolidação da matriz óssea, que garante a dureza e o crescimento sadio dos ossos, reduzindo o risco de desenvolvimento de osteoporose no futuro”, explicou a nutricionista Ana Paula Del’Arco, indicada à reportagem pelo Conselho Regional de Nutrição da 3ª Região.

A gestão Doria decidiu cortar em 53% o atendimento do programa, que passará a atender 223 mil crianças nas unidades educacionais e outras 208 mil que serão localizadas por meio de cadastros sociais, como o Bolsa Família. Até o ano passado, eram atendidas 916 mil crianças e adolescentes até 14 anos, que tivessem frequência de pelo menos 90% das aulas. A partir de março, o limite de idade será de 6 anos e 11 meses, para famílias com renda de até R$ 2.811. Além disso, a quantidade de leite em pó será reduzida, entre os estudantes, de dois quilos para um quilo por mês.

Segundo a nutricionista, doutoranda em pediatria pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o consumo de leite até os seis anos de idade é fundamental, pois é o período em que a criança está desenvolvendo o corpo, os ossos e os sistemas orgânicos como um todo. A falta de qualquer nutriente nessa fase pode causar danos graves.

No entanto, entre os sete e os 14 anos, ainda que em menor ritmo, o corpo segue crescendo e se desenvolvendo. Até a puberdade, durante a adolescência, o corpo da criança requer o aporte adequado de nutrientes, sobretudo o cálcio, pois os ossos continuam crescendo. “O leite não é só cálcio. É também uma fonte importante de proteínas, vitaminas, gorduras. Para crianças e adolescentes de baixa renda a retirada do leite pode ter impacto significativo na saúde, porque podem não ter condições de consumir outros alimentos necessários para suprir todos os nutrientes”, afirmou Ana Paula.

“Decisão técnica”

Ao explicar a medida, o secretário municipal da Educação, Alexandre Schneider, defendeu que não há estudos que comprovem a necessidade do leite para além da primeira infância. “Do ponto de vista da saúde, da nutrição, os especialistas entenderam que o programa faz sentido para crianças pequenas e que estão em situação vulnerável. É fato que a prefeitura e a secretaria têm problemas orçamentários, mas a decisão foi técnica”, disse Schneider, em entrevista ao site G1.

A Secretaria Municipal da Educação, no entanto, se negou a divulgar qualquer documento técnico relativo à decisão, embora afirme que ele exista, argumentando que não é um material de interesse público e que as informações prestadas pelo secretário são suficientes para explicar a medida.

A nutricionista alertou também que, na falta do leite, as crianças e adolescentes tenderão a consumir outras bebidas, com maior quantidade de açúcar, como sucos adoçados e refrigerantes. E isso pode contribuir para um cenário de obesidade infantil. “O leite tem açúcar (a lactose), mas como também tem gordura e proteínas, a absorção desses componentes é adequada para o corpo, sem picos de glicemia (açúcar no sangue). Consumindo muito açúcar e poucos nutrientes, temos o risco de crianças obesas, predispostas ao diabetes e subnutridas ao mesmo tempo”, afirmou.

Ana Paula ressaltou ainda que, embora muitos vegetais contenham quantidades significativas de cálcio, o organismo humano tem mais dificuldade em absorvê-lo. “O cálcio presente no leite está em uma forma mais adequada para ser absorvido pelo organismo. No caso dos vegetais, existem outras substâncias que dificultam a absorção”, explicou.

Em nota, a Secretaria Municipal da Educação negou que a medida possa prejudicar a saúde das crianças e que elas recebem alimentação em todas as fases da educação infantil e fundamental.

“Os alunos que estudam na Rede Municipal de Ensino recebem cinco refeições diárias nos Centros de Educação Infantil (CEIs/creches – faixa etária de 0 a 3 anos); duas nas Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs/pré-escola – faixa etária de pré-escola – 4 e 5) e duas nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEFs, a partir dos 6 anos).

O cardápio preparado cobre, no mínimo, 70% das necessidades nutricionais diárias, conforme estabelece o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Isso foi levado em conta por técnicos da Coordenadoria de Alimentação Escolar (CODAE), órgão responsável pela merenda escolar na Secretaria Municipal de Educação, quando se optou por readequar a entrega do produto oferecido no programa Leve Leite aos alunos.

Como se não bastasse, além de o leite continuar sendo entregue aos alunos matriculados na rede, também chegará às famílias mais pobres, cujos filhos ainda não estão matriculados na escola. Portanto, não penaliza quem estuda nas escolas da rede e ainda beneficia crianças que estão fora da escola. Para receber o leite, essas famílias precisam ter renda familiar de até três salários mínimos e estar inscritas no Cadastro Único da prefeitura.

Para este novo desenho a Secretaria Municipal de Educação (SME) estabeleceu um diálogo com vários setores da sociedade. Foram ouvidos, dentre outras, entidades como o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de São Paulo (Comusan-SP), Associação Brasileira de Nutrição (Asbran), o Sindicato dos Nutricionistas, a Fundação Abrinq, o Instituto Alana, além do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). As secretarias municipais de Saúde e de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) contribuíram com a SME na sua elaboração.”