Ditadura

Comissão discute buscas por desaparecidos e memorial do Araguaia

Informações de camponeses e ex-soldados podem ajudar em retomada de investigações e descobertas na região da guerrilha

Eugênia Gonzaga

Antiga Casa Azul

São Paulo – A Guerrilha do Araguaia, ocorrida na primeira metade dos anos 1970 na região Norte, ainda é um episódio com capítulos por escrever e fatos a serem revelados. Mais um passo nesse sentido foi dado na semana passada, quando uma audiência pública realizada na Câmara Municipal de Marabá, no sudeste do Pará, recolheu informações de camponeses e ex-soldados que podem levar a novas buscas por desaparecidos. Também se discutiu a criação de um memorial para que a história não se perca.

A audiência, no último dia 2, foi conduzida pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF). Teve a participação da entidades como a Comissão Estadual da Verdade do Pará, a Universidade Federal do Sul e Sudeste do estado (Unifesspa), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Torturados do Araguaia (ATGA). A partir de informações de antigos moradores, está sendo feito um mapeamento que permita novas buscas.

“Muitos ex-soldados, ex-mateiros e camponeses levantaram questões novas acerca de sepultamentos”, diz Paulo Fonteles Filho, integrante da Comissão da Verdade paraense. Outra questão, acrescenta, refere-se à reabertura de investigações sobre o assassinato, cinco anos atrás, de Raimundo Clarindo do Nascimento, o Cacaúba. Rastreador que ajudou as forças militares na região, ele havia rompido um silêncio de décadas e em 2011 passou a dar informações sobre a perseguição a militantes políticos na região. Em março de 2011, prestou depoimento ao Grupo de Trabalho Araguaia (GTA). Em junho, foi morto, “depois da presença do Curió na região”, observa Fonteles.

Trata-se do coronel Sebastião Curió, que para muitos ainda exerce grande influência e amedronta pessoas que poderiam oferecer mais dados sobre o período da guerrilha. O membro da Comissão da Verdade imputa ao militar hoje na reserva a responsabilidade pela morte. “É uma queima de arquivo, uma forma de intimidação.” Cacaúba foi morto em Serra Pelada, distrito de Curionópolis, também no Pará.

Fonteles é filho de Hecilda e Paulo Fonteles, militantes que sofreram perseguição e foram presos durante a ditadura. Ex-deputado, Fonteles pai foi assassinado em junho de 1987, aos 38 anos, durante viagem pelo interior do estado.

Apesar das dificuldades, houve avanços nos últimos. Fonteles filho lembra que, a partir de 2009, com a continuidade do trabalho de busca, foram localizadas 21 ossadas. Ainda não houve identificação. Na audiência do dia 2, um agricultor que também ajudou os militares disse que muitos corpos foram enterrados na base de Xambioá e que presenciou a entrega de cabeças e dedos dos guerrilheiros. Segundo ele, os camponeses eram obrigados a colaborar com a repressão e também sofreram tortura.

Para a presidenta da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos, a procuradora da República Eugênia Gonzaga, a informação de que dedos de militantes políticos eram levados para retirada de digitais é um dado importante. “Com certeza, essa documentação existe.” Ela acredita que iniciativas como a audiência pública podem encorajar mais pessoas a dar informações sobre paradeiro de desaparecidos, em uma área que ainda reluta em mexer com temas sensíveis.

“Depois de 1974 (quando a guerrilha foi dizimada), virou uma terra arrasada, usaram até napalm. É uma região que sofreu muito. Essas pessoas (moradores) foram torturadas, mas nem sabiam do que se tratava. E também querem que se olhe para elas.”

Casa Azul

Outra questão que as entidades defendem é o tombamento do local conhecido como Casa Azul, em Marabá. Localizado no km 1 da Transamazônica, o local é apontado como um dos principais centros de tortura do período ditatorial e foi incluído no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, entregue há dois anos. Como fachada, funcionava o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Hoje, abriga escritório do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Ali teriam sido mortos três dezenas de pessoas, a maioria guerrilheiros.

Na véspera da audiência pública, Eugênia Gonzaga visitou a antiga Casa Azul e também o cemitério Jardim da Saudade, onde, segundo relatos, teriam sido enterrados corpos de desaparecidos políticos. Segundo ela, a disposição dos túmulos dificulta um trabalho de identificação. “Mas em Formosa também foi muito difícil, em Perus…”, observa, referindo-se a descobertas feitas nos últimos anos em cemitérios paulistanos. Na sede do DNIT, diz a procuradora, ainda existem grades nas portas. A intenção é fazer do local um centro de memória.

“Esse é um trabalho que não para”, afirma Fonteles Filho. “Inclusive para vacinar a consciência brasileira, para que esses incautos não fiquem bradando volta à ditadura.” A Comissão da Verdade do Pará, criada em setembro de 2014 e com previsão de término dos trabalhos em setembro de 2017, deve entregar em janeiro um relatório prelimnar. “Entrevistamos mais de 500 pessoas.”

Em novembro de 2010, o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em razão da Guerrilha do Araguaia, determinando que o país investigasse o caso e determinasse responsabilidades.

 

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