direito civil

‘O nome muda tudo. É a forma como a gente se reconhece’, diz transexual

Defensoria Pública do Estado e prefeitura de São Paulo promoveram hoje (9) primeiro mutirão para mudança de nome no registro civil de 35 transexuais da cidade

reprodução

Haddad: São Paulo foi primeira cidade da América do Sul a receber selo por políticas para inclusão LGBT

São Paulo – A batalha do técnico da informação Rafael Souza para usar o nome que representa sua identidade de gênero nos documentos oficiais começou há quase um ano e meio, mas só foi efetivada hoje (9), quando o jovem transexual de 20 anos deu entrada no processo em um mutirão organizado por meio de uma parceria entre a prefeitura de São Paulo e a Defensoria Pública do estado. Em pouco tempo, ele terá um novo documento de identidade e será oficialmente Rafael, em todos os espaços que quiser frequentar.

“O nome é aquilo que te representa. Saber que não vamos mais sofrer constrangimentos significa muito”, disse, durante o mutirão. “Muda tudo. Espero conseguir um emprego melhor, porque o único ramo que contrata é telemarketing, onde não há um contato direto, pessoal. Eu faço entrevistas, passo no processo seletivo e na hora de entregar o documento eles veem um nome feminino e voltam atrás, dizem que vão me ligar, mas não ligam mais”, disse ele, que é homem transexual.

Rafael chegou a procurar advogados particulares, que cobraram entre R$ 4 mil e R$ 6 mil para fazer o processo de mudança de nome social. “Nós, transexuais, somos uma classe em que muitos foram excluídos do mercado de trabalho e não têm dinheiro. Como fazer?”, questionou.

Hoje, ele e mais 34 transexuais deram entrada no processo gratuitamente. Para isso, reuniram uma série de documentos com o auxílio de coordenadores do Programa Transcidadania, que oferece uma bolsa de estudos para que travestis e transexuais voltem a estudar e se qualifiquem profissionalmente. O programa cedeu, inclusive, os psicólogos que produzem os laudos autorizando a mudança de nome.

Leia também:

“Essa ação reconhece nosso direito à existência. É todo um processo de construção. Temos o direito de não ser vistos na sociedade como doentes e sim como somos”, a coordenadora do Transcidadania, Symmy Larrat. “O processo de retificação do nome me permite ser reconhecida como mulher, como a mulher que eu sou, como a Nathalia”, comemorou uma das beneficiadas pelo mutirão.

A estudante Alline Dias também celebrou o fato de que será chamada pelo nome com o qual se identifica em bancos, hospitais e escolas. “É um constrangimento para mim e para quem me chama. Na escola, as pessoas já se desculparam por me fazer assinar como Juliano. Eu nem consigo mais atender por esse nome”, disse. “Mudar o nome muda a minha confiança em mim mesma.”

“Essa é mais uma etapa de incorporação dessas pessoas, pelo registro civil, que é oficial. Nós já fazíamos esse trabalho, mas um a um. Agora, a Defensoria está fazendo um mutirão para que acelere e possa incorporar todos dentro do marco jurídico da Constituição, que combate todos os tipos de preconceito e intolerância”, disse o prefeito Fernando Haddad.

Além do mutirão, foi lançada hoje a cartilha Passo a passo: Ação de alteração de nome/sexo no registro civil, com informações sobre os documentos necessários para ingressar com o pedido de retificação de nome e de sexo. Há também um tira-dúvidas sobre todo o processo.

Para as educadoras sociais Dodi e Agatha, no entanto, o dia hoje representará mais uma espera: elas foram à Defensoria na esperança que o mutirão atendesse a todos os interessados e no local foram informadas que essa seção atenderia apenas os 35 inscritos já com a documentação correta. “Reagendamos para março e fomos encaminhadas ao Transcidadania para nos ajudar com os documentos necessários”, disse Agatha. “Mesmo tendo que esperar vamos dar continuidade. É uma medida muito importante”, afirmou Dodi.

“O nome é intrínseco à personalidade. É um direito ter um nome que se identifique com seu gênero, com sua orientação sexual”, disse o defender público coordenador do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial, Erik Saddi Arnesen. “O nome é muitas vezes o primeiro elemento de interação social e o primeiro elemento que expressa nossa identidade. É inadmissível que ele cause sofrimento ou desconforto. Impor isso à pessoa viola sua dignidade.”

Reconhecimento internacional

Durante o mutirão, Haddad anunciou que São Paulo foi a primeira cidade da América do Sul a receber selo de uma ONG internacional que certifica locais com políticas públicas para tolerância e diversidade da população LGBT, chamado Rainbow City (Cidade Arco-Íris). Apenas 29 municípios no mundo já foram certificados com o selo.

O prefeito considerou uma “honra” receber o certificado. “Além do Transcidadania, temos equipamentos móveis e centros de referência para acolher a população LGBT em diversas áreas, como na saúde e na assessoria jurídica. São direitos básicos. É preciso pensar o ser humano de todos os pontos de vista possíveis”, disse Haddad. “Muitas vezes os LGBT já foram excluídos pela família, pela escola e pelo mercado de trabalho. Temos possibilidade de inclusão.”

O prefeito afirmou que “não tem receio” que o prefeito eleito, João Doria (PSDB), que assumirá a partir de 1º de janeiro, desmonte a Secretaria Municipal de Direitos Humanos, que coordena as políticas LGBTs da cidade. “São 14 coordenações. Uma delas é para LGBTs, mas outras são voltadas para idosos, imigrantes, para todas as camadas com algum grau de vulnerabilidade. Precisamos de uma coordenação ativa que avance nos direitos civis. A comunidade está mobilizada e vai acabar reagindo para promover os avanços necessários.”

Haddad disse estar “confiante” que o Transcidadania também continue na gestão Doria. “Um programa de governo se transforma em um programa de Estado justamente na transição. Tudo depende de uma transição bem feita.”

Leia também

Últimas notícias