'tribunal de injustiça'

Justiça foi covarde, diz mãe de menino morto por PM no Alemão

Desembargadores cariocas arquivaram caso de Eduardo de Jesus Ferreira, atingido na porta de casa por um tiro disparado por policiais no Rio de Janeiro

Voz da Comunidade

Decisão não vai me fazer parar de lutar, diz mãe de Eduardo

São Paulo – “Estou muito indignada.” Assim Terezinha de Jesus começa a entrevista, antes mesmo de qualquer pergunta. Ela é mãe de Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos, morto por um tiro de fuzil disparado por policiais enquanto brincava na porta de casa, no complexo de favelas do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, em abril de 2015. Na última semana, desembargadores cariocas decidiram arquivar o caso. “A Justiça foi covarde. Tive meu filho arrancado dos meus braços e a Justiça deu carta branca para o policial fazer mais uma vítima.”

Segundo o laudo da perícia, a criança foi atingida por uma bala de “alta energia cinética”, possivelmente disparada de um fuzil. O resultado do inquérito que investigou o assassinato, divulgado em novembro do último ano, apontou que o menino foi morto na porta de casa por um tiro disparado por policiais que estavam a 5 metros dele. O inquérito da Polícia Civil, encerrado também em novembro de 2015, concluiu que os policiais agiram em legítima defesa já que alegaram que estavam em confronto com traficantes e o menino teria ficado na linha de frente.

Em sessão do Tribunal de Justiça da última terça-feira (29), os desembargadores Rosa Helena Penna Macedo Guita e Flávio Marcelo de Azevedo Horta Fernandes votaram pelo arquivamento do processo devido à “inépcia” da denúncia e à falta de provas – a perícia não constatou qual policial fez o disparo.

Apenas um deles, Paulo de Tarso Neves, votou contra defendendo que o arquivamento era uma atitude extremada e que ainda cabia avaliação de novas provas. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro pedirá ao Ministério Público que recorra da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

“Fui ao tribunal com outras mães de filhos mortos vítima de violência policial. Entrei em desespero. Esse processo foi arquivado por uma pessoa, mas Deus não arquivou”, disse Terezinha. “O assassino do meu filho saiu quase rindo do Tribunal. O que a Justiça disse é que pode matar e nada vai acontecer. Para mim isso é um tribunal de injustiça.”

Eduardo era o caçula de cinco filhos e estudava no quinto ano em uma escola de período integral próxima ao Complexo do Alemão. Terezinha é faxineira, mas depois da morte do filho teve de reduzir o trabalho para poder acompanhar reuniões, sessões judiciais e desdobramentos do caso. Ela se mudou para o Piauí com dois filhos. Outros dois permaneceram no Rio de Janeiro. “Fiquei muito indignada, mas a decisão não vai me fazer parar de lutar. Estou firme e forte até conseguir. Enquanto não houver justiça não vou sossegar”, disse.

Em nota, o coletivo Mães de Maio, de São Paulo, protestou. “Lamentamos a absurda decisão de um Judiciário brasileiro que insiste em prosseguir acabando de matar e enterrar, cotidianamente, toda e qualquer esperança de justiça para nós, mães negras, trabalhadoras pobres, moradoras de favelas ou bairros periféricos em todo Brasil”, afirma o coletivo. “Não há qualquer esperança nesta ‘Justiça’ institucional, elitista, racista, seletiva e totalmente insensível para com o nosso povo – a maioria dos cidadãos e cidadãs das quais eles deveriam ser servidores públicos.”

A Anistia Internacional lançou campanha para pressionar Ministério Público e Ministério da Justiça para levarem adiante no Judiciário. A organização convoca a população a enviar mensagens ao procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro e ao Ministro da Justiça exigindo que o caso seja julgado em instância superior.

“O assassinato, por policiais, de um menino de 10 anos, desarmado, que estava na porta de sua casa, onde não havia tiroteio, deve ser devidamente responsabilizado. Os responsáveis por tirar a vida do menino Eduardo devem ir à julgamento”, diz a Anistia Internacional.

As polícias brasileiras são as que mais matam no mundo, segundo relatório da organização. Em geral, são homicídios de pessoas já rendidas, que já foram feridas. Em 2014, 15,6% dos homicídios registrados no país tinham como autor um policial.