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Professor de História pede a vereador do DEM que respeite biobrafia de Zumbi

'Por favor, pare de chamar Zumbi dos Palmares de Hitler. Estude um pouco mais sobre ambos e verás que a comparação é descabida', diz o professor Adriano Viaro em carta aberta a Fernando Holiday

Jornalistas Livres

Imagem de Zumbi no Festival Canjerê, em Belo Horizonte: comunidades Quilombolas mostram sua arte e cultura

São Paulo – Em carta aberta ao vereador eleito em São Paulo Fernando Holiday (DEM), o professor de História Adriano Viaro, pesquisador de Zumbi dos Palmares, pede ao vereador que respeite a biografia do líder negro e que pare de compará-lo a Adolf Hitler.

“Estude um pouco mais sobre ambos e verás que a comparação é descabida. Pare de chamar Zumbi dos Palmares de facínora, escravagista e torturador. Leia, por favor, as obras de Décio Freitas, Benjamin Péret, Ivan Alves Filho, Flávio dos Santos Gomes, Clóvis Moura e Edison Carneiro”, afirma o professor, que divulgou sua carta no Facebook em razão do Dia da Consciência Negra, celebrado hoje (20).

Leia a íntegra:

Carta aberta a Fernando Holiday

Excelentíssimo vereador:

Remeto-me à Vossa Excelência para fazer quase que uma súplica. Por favor, pare de chamar Zumbi dos Palmares de Hitler. Estude um pouco mais sobre ambos e verás que a comparação é descabida.

Pare de chamar Zumbi dos Palmares de facínora, escravagista e torturador. Leia, por favor, as obras de Décio Freitas, Benjamin Péret, Ivan Alves Filho, Flávio dos Santos Gomes, Clóvis Moura e Edison Carneiro.

Leia também Jacob Gorender, mas passe rápido pelo capítulo onde é explicada a profissão e função de Capitão do Mato, pois caso contrário, poderás se identificar.

Pare de ler, sobretudo sobre Zumbi, a partir da Veja e do ilustre estoriador Leandro Narloch. Entenda, caro vereador, a diferença entre “escravidão patriarcal” e Escravismo Colonial. Mas tal entendimento não será para corroborar com seu discurso, mas para, ao menos, saberes o terreno em que estás pisando.

Entenda também, que não sabemos maiores detalhes sobre o dia a dia dos quilombos de rompimento (período colonial), sobretudo, dos Palmares.

E mesmo eu tendo feito um mestrado e defendido dissertação sobre os quilombos da Serra do Barriga, não posso afirmar quais eram suas rotinas internas e diárias, mas os documentos, de autoria do homem branco, relatam torturas e punições à traição, fuga e homicídio, ou seja, havia, dentro dos parâmetros do 17, justiça em Palmares!

Não imagine, caro vereador, que havia manilhas, libambos, grilhões, algemas, anjinhos, chicotes e senzalas no interior dos quilombos confederados, pois ali fugia-se justamente disso. E não ajude, irresponsavelmente, a criar tal ideia no imaginário coletivo.

Vossa Excelência deve saber que não temos uma biografia de Zumbi, embora haja tentativas, mas temos os documentos originais (cerca de 150 cartas) que eu posso disponibilizar ao nobre vereador para que melhore seu discurso sobre o símbolo máximo da negritude.

Não afirme escravidão colonial em uma comunidade agrícola de subsistência, pois isso representaria uma incoerência conceitual.

E mais: não confunda o período de Ganga Zumba com o de Zumbi. (Sei que o senhor sabe muito bem a diferença).

Caro e excelentíssimo vereador Fernando Holiday: pare de dizer asneiras sobre Zumbi dos Palmares – de quem você provou que nada sabe – e preserve sua imagem, popularidade e mandato.

Mas caso queiras discutir a história e a historiografia de Zumbi e dos quilombos palmarinos… Coloco-me à disposição. Mas, por obséquio, não cometa a gafe de querer se comparar ao líder palmarino.

Cordiais saudações

Prof. Me. Adriano Viaro