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Movimento negro avalia que políticas raciais tendem a estagnar com Temer

No próximo domingo, Dia da Consciência Negra, 1 milhão de pessoas devem sair às ruas em diversas cidades do país para defender os direitos da população negra e combater retrocessos

Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas

“É inegável que houve avanços nas políticas afirmativas nos últimos anos”, diz ativista do movimento negro

São Paulo – Militantes do movimento negro avaliaram hoje (17), em entrevista coletiva realizada em São Paulo, que com os cortes de orçamento previstos pelo governo de Michel Temer, as políticas sociais e as ações afirmativas para o combate ao racismo devem estagnar e perder força. Contra a postura do governo federal, o movimento promete levar 1 milhão de pessoas às ruas no próximo domingo (20), Dia da Consciência Negra, em diversas cidades do país, na 13ª Marcha da Consciência Negra.

Neste ano, o ato incorporou como mote central a bandeira dos demais movimentos sociais: “Fora, Temer!” e “Nenhum direito a menos”. Além disso, eles criticarão a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que congela por 20 anos os investimentos sociais do governo federal. Também vão protestar contra a anulação pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em setembro, do julgamento de 73 policiais militares (PM) envolvidos no caso do massacre do Carandiru. No episódio, 111 internos do presídio foram assassinados pela polícia, após uma rebelião na casa de detenção, em 2 de outubro de 1992.

“Nós temos críticas, mas é inegável que houve diversos avanços nas políticas afirmativas nos últimos anos. Um exemplo são as trabalhadoras domésticas, que havia 30 anos reivindicavam os mesmos diretos dos demais trabalhadores”, afirmou a coordenadora nacional de Entidades Negras, Sandra Mariano, em alusão à PEC das Domésticas, aprovada em 2013 para garantir direitos trabalhistas à categoria, como Fundo de Garantia, folgas semanais remuneradas e férias. “Com a PEC que congela salários e impõe uma reforma da Previdência nós voltaremos ao tempo da escravidão.”

Os principais atos ocorrerão em São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Porto Alegre. Só no estado de São Paulo, 101 cidades vão aderir à marcha. Na capital paulista, a concentração será às 11h, no vão livre do Masp, na Avenida Paulista. Até as 16h haverá uma série de atividades artísticas ligadas à cultura e a resistência do povo negro. Depois disso, os manifestantes seguirão em marcha pela Rua da Consolação, até o Teatro Municipal de São Paulo, na região central da cidade.

A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Anualmente, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são mortos. A taxa de homicídios entre jovens negros é quase quatro vezes a verificada entre os brancos, segundo dados do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Assassinato de Jovens no Senado, encerrada em junho deste ano

“Em São Paulo, o ato terá uma importância especial porque aqui é o centro da direita, com a elite paulista, que está à frente do golpe. Temer é daqui e o atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, também”, afirmou o integrante da organização Convergências da Luta de Combate ao Racismo no Brasil Flávio Jorge.

Durante o ato, haverá ações de defesa dos direitos das mulheres negras, com pautas específicas, como uma política de comunicação não sexista e que enfrente o racismo, o reconhecimento e preservação dos saberes das populações tradicionais, legalização do aborto e direitos sexuais e reprodutivos, por igualdade salarial e por uma política de saúde efetiva para as mulheres negras.

“Desde novembro do ano passado entregamos diversos documentos exigindo políticas para as mulheres negras para secretarias e para a Assembleia Legislativa e acreditamos que com o golpe será mais difícil dialogar”, lamentou a integrante do Núcleo Impulsor do Estado de São Paulo da Marcha das Mulheres Negras Luka Franca. “Com os cortes do governo golpista, ações de combate ao feminicídio vão parar porque a rede de apoio para combater a violência enfraquecerá.”

Mapa da Violência

O número de homicídios de mulheres negras aumentou 54,2% entre 2003 e 2013, passando de 1.864 para 2.875, segundo o Mapa da Violência 2015. Nesse período, o total de assassinatos de mulheres brancas caiu 9,8%. As mulheres negras são também as maiores vítimas de estupros e de violência doméstica no Brasil, representando 60% das agredidas por pessoas conhecidas em 2013, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE. “Isso escancara a objetificação da mulher negra, que não é vista como ser humano”, critica Luka.

O primeiro ato específico das mulheres negras em comemoração ao 20 de novembro foi realizado em 18 de novembro de 2015, quando milhares de mulheres saíram às ruas, em diversas cidades do país. Para celebrar o aniversário da mobilização, o coletivo promoverá amanhã (18), das 10h às 22h, programação ao vivo no Facebook, com transmissões de manifestações, debates, pesquisas e mobilizações das mulheres negras em diversas cidades do país. Todo o material será reunido na página do Núcleo Impulsor do Estado de São Paulo da Marcha das Mulheres Negras 2015 com as hashtags #EuMulherNegra #MarchadasMulheresNegras1Ano e #Rumoao20deNovembro.

“Só as políticas afirmativas dão ao Estado a possibilidade de evoluir, principalmente em uma sociedade marcada pela escravidão, que é um crime contra a humanidade”, disse o representante do movimento negro José Adão, em uma fala de defesa às cotas raciais em universidades e concursos públicos. “As universidades estaduais de São Paulo precisam aceitar as cotas porque elas beneficiam a cidadania e a evolução do país.”

No sábado (19), às 19h, ocorrerá uma reunião chamada de Tribunal Popular, na qual representantes do governo estadual e da prefeitura de São Paulo vão ouvir reivindicações do movimento sobre mortes de jovens negros, indígenas, pobres e periféricos na cidade, que serão formalizadas juridicamente por meio de uma ação civil pública. A reunião ocorrerá na Sociedade Santos Martires (Rua Luiz Baldinato, 9), no Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo.

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