marcha à ré

Projeto que autoriza divulgação de imagens de crianças em conflito com a lei é aprovado

“A proposta foi feita sob encomenda para os programas policialescos da televisão”, defende advogado. Proposta que proíbe publicidade destinada a crianças na TV também sofre derrota na Câmara

Danilo Ramos/RBA

“Exibir suspeito é antecipação da punição, cria linchamento pior que a pena”

São Paulo – A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei (PL) 7.553/14, que permite a divulgação de fotos e vídeos de adolescentes maiores de 14 anos que sejam suspeitos de envolvimento em atos infracionais. O PL, segundo seus críticos, infringe e altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Na mesma sessão, realizada na quarta-feira (5), os deputados rejeitaram proposta que proíbe a veiculação de publicidade dirigida ao público infantil.

O projeto sobre adolescentes suspeitos de atos infracionais, de autoria do deputado Marcos Rogério (DEM-RO), proíbe a divulgação total ou parcial do nome, ato ou processo judicial envolvendo o caso, porém permite a “divulgação de fotos, vídeos ou imagens de adolescentes maiores de 14 anos e que tenham cometido crimes com pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos.”

“É uma contradição, porque os adolescentes no Brasil não cometem crimes, mas atos infracionais, e o tempo de pena não é definido”, explica o relator sobre direito da criança e adolescente no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves. “A proposta foi feita sob encomenda para os programas policialescos da televisão.”

O relator da matéria, Claudio Cajado (DEM-BA), defendeu que a não divulgação de imagens de adolescentes infratores traz prejuízo ao andamento das investigações. “Vários crimes poderiam ser evitados caso ocorresse a divulgação das imagens”, disse, durante a sessão. “É o caso de vídeos gravados com câmeras escondidas em estabelecimento comercial ou mesmo por testemunhas. A divulgação de imagens traria mais segurança para as comunidades e ao mesmo tempo facilitaria detenção e punição do menor infrator.”

Para Alves, a medida trará mais prejuízos do que ganhos para a Justiça. “Exibir a pessoa na qualidade de suspeito já é uma antecipação da punição, cria um linchamento público que muitas vezes é mais greve que a própria pena. Depois que a imagem é exibida é muito difícil tirá-la de circulação. O adolescente vai acabar sendo discriminado e isso dificulta sua ressocialização”, diz. “Quanto mais publicidade do envolvimento dos adolescentes em um ato infracional, mais difícil é de ressocializá-lo, devido à discriminação.”

Pela proposta, a legislação seria aplicada de forma gradual e apenas para os adolescentes com mais de 14 anos que cometeram atos infracionais equivalentes a crimes com pena de privação de liberdade, como lesão corporal, sequestro, furto qualificado e quando há violência. Ariel, no entanto, avalia que a proposta fere a Constituição em seus artigos 5º, que trata da proteção da intimidade, da honra e da imagem das pessoas, e 227, que dispõe sobre o direito ao respeito e à dignidade dos adolescentes.

Além disso, a Constituição prevê o direito a igualdade, segundo qual um adolescente de 14 anos, ou mais, não pode ser tratado de forma diferente daqueles com menos de 14 anos. O projeto também vai contra o ECA, que garante direito à inviolabilidade da integridade moral dos adolescentes, com a preservação da imagem e da identidade, além de protege-los de tratamentos vexatórios e constrangedores.

A proposta contraria, ainda, a Convenção da ONU dos Direitos da Criança, de 1989, da qual o Brasil é signatário, que trata da proteção da privacidade de crianças e adolescentes, principalmente daqueles que se envolveram com infrações, visando à estigmatização e à ressocialização.

“Para a investigação não é necessário divulgar imagens nos meios de comunicação. Basta que as vítimas e testemunhas compareçam a delegacia, ou ao Ministério Público para que crimes sejam apurados”, diz Alves. “Para quem vive em um mundo de falta de perspectivas, o envolvimento no crime pode ser uma ascensão social. Essa medida não favorece em nada o combate a criminalizada, na verdade só incentiva mais pessoas a se envolver em crime.”

O projeto seguiu para a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, na qual foi designado como relator o deputado Paulo Martins (PSDB-PR). De lá ela segue para as comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser submetida ao plenário da Casa.

Publicidade

Na mesma sessão, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática rejeitou proposta que proíbe a veiculação, entre 7h e 22h, em televisão aberta e por assinatura, de publicidade destinada a crianças. A medida está prevista no PL 702/11, do deputado Marcelo Matos (PHS-RJ), que defende que é preciso inibir a exploração da “credulidade infantil” por agências de publicidade.

Ao defender a rejeição da proposta, o relator, deputado Sandro Alex (PSD-PR), disse que, o Brasil adota a autorregulamentação da publicidade, com base em regras definidas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).“A vedação de toda e qualquer propaganda dirigida ao público infantil não é condizente com a Constituição e com o modelo adotado pelo País. Tal prática seria cerceamento ao livre arbítrio e à livre iniciativa e, em última instância, uma forma de censura à criação e à manifestação do pensamento”, disse.

“A autorregulamentação é uma falácia. O objetivo maior do mercado de publicidade, do produtor e dos comerciantes é lucro e não a proteção da criança e do adolescente”, critica Alves. “A criança não está preparada para se defender daquele apelo consumista, e muitas vezes não ter acesso ao bem veiculado causa sofrimento e conflitos no âmbito familiar. Além de incentivar o consumo de alimentos que fazem mal à saúde, a publicidade infantil favorece o consumismo.”

O projeto, que tramita em caráter conclusivo, já havia sido rejeitado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços. Se também for rejeitado pela Comissão de Seguridade Social e Família, a proposta que proíbe a publicidade infantil poderá ser arquivada.

“Os adolescentes que cometem crimes são muitas vezes motivados pelo consumismo, incentivado na publicidade infantil. Cada vez mais querem penalizá-los: de um lado querem punir gravemente os que atendem ao consumismo da publicidade e por outro não se aceita nenhum tipo de restrição à propaganda, que favorece crimes patrimoniais. Muitas propagandas pregam que para ser reconhecido é preciso ter determinado tênis, celular ou relógio. É uma contradição”, critica Alves.

Com informações da Agência Câmara