PARCIALIDADE E ABUSO

Juristas e entidades protocolam reclamação no CNJ contra desembargador do caso Carandiru

Documento pede apuração da conduta do magistrado no julgamento e por insinuar que parte da imprensa e defensores de direitos humanos são financiados pelo crime organizado

FABIO BRAGA/FOLHAPRESS

‘Seremos criticados pela imprensa, mas não quero saber da imprensa’, disse Sartori no dia do julgamento

São Paulo – Juristas e organizações de defesa dos direitos humanos vão encaminhar hoje (18) à presidenta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, uma reclamação disciplinar contra o desembargador Ivan Sartori, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O documento pede a apuração de abuso, falta de isonomia e impessoalidade na atuação de Sartori no julgamento de um recurso dos 74 policiais condenados pela atuação no massacre do Carandiru e por insinuar que parte da imprensa e organizações recebem dinheiro do crime organizado.

Sartori votou pela anulação do julgamento e pela absolvição dos agentes alegando que “não houve massacre, houve legítima defesa”. “É lamentável que depois de 24 anos do ocorrido no Carandiru, que é o maior incidente prisional da história no Brasil e na América Latina, o Estado nem nenhum dos seus representantes foram responsabilizados pelas mortes de 111 pessoas. A decisão do TJ, na verdade, corrobora graves violações de direitos humanos, reforça a impunidade dos crimes cometidos pelo Estado e, também, legitima a violência que pauta a atuação das polícias aqui no Brasil”, argumentou a diretora-executiva da Conectas Direitos Humanos Jessica Morris.

Para Jessica, Sartori ignorou “provas contundentes” de que, na realidade, os 111 presos assassinados durante ação da Polícia Militar para conter a rebelião, em 2 de outubro de 1992, foram executados, sem condições de se defender.  “Provas que mostram tiros pelas costas, homens desarmados, muitos deles em suas camas. O que pedimos hoje é que a ministra Cármen Lúcia, que sabemos ser sensível às causas sociais e aos direitos humanos, encaminhe a nossa reclamação ao plenário, para seja apurada a conduta do desembargador Sartori, no caso do massacre do Carandiru”, afirmou.

Segundo o advogado André Alcantara, a ação não pode reverter o julgamento, mas tem significado importante no processo como um todo. Para ele, que passou um mês trabalhando em conjunto com outros especialistas no documento, está clara a proximidade do desembargador com a Polícia Militar, em especial a Tropa de Choque.

“Há uma escolha nítida do desembargador em privilegiar a Polícia Militar. Tanto que ele chega a dizer que o Carandiru teve a vítima 112, que foi a instituição militar. Das cem páginas do voto dele (que foi relator do caso), cerca de 40 são exclusivamente para reproduzir as falas dos policiais, dando a fala do acusado como defesa. Isso demonstra que ele está em defesa da PM nessa absolvição dos 74 policiais”, explicou.

Sobre as insinuações em relação à imprensa e defensores de direitos humanos, o relator sobre direito da criança e adolescente no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves, ressaltou que é preciso considerar processar o desembargador.

“Se ele diz que nós somos financiados pelo crime organizado, ele precisa provar, mostrar quem são os defensores de direitos humanos e os jornalistas que são financiados pelo crime organizado. Eu fui dos que me manifestei contra a decisão dele e gostaria que fosse demonstrada minha relação com o crime organizado. Não podemos aceitar que alguém que presidiu o TJ tenha esse tipo de pensamento. Ele perdeu a imparcialidade necessária para participar de qualquer tipo de julgamento”, afirmou Alves.

No dia 4 deste mês, Sartori escreveu nas redes sociais que: “Diante da cobertura tendenciosa da imprensa sobre o caso Carandiru, fico me perguntando se não há dinheiro do crime organizado financiando parte dela, assim como boa parte das autodenominadas organizações de direitos humanos”. Durante o julgamento, Sartori já havia criticado a imprensa, demonstrando, no entanto, não se importar com o que seria dito nos veículos de comunicação. “Eu sou o juiz, e eu voto como deve ser”, afirmou.

O CNJ pode instaurar processos disciplinares contra magistrados, que podem chegar a punições como aposentadoria, remoção compulsória, censura ou advertência. Porém, esses desfechos são raros. O documento é assinado pelos juristas Dalmo Dallari e Fábio Konder Comparato e, também, por organizações como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Justiça Global, Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, institutos Sou da Paz, Vladimir Herzog e Paulo Freire.

Ainda hoje, a Câmara Municipal de São Paulo receberá um ato de desagravo à imprensa e entidades de defesa dos direitos humanos atingidas pelas ofensas do desembargador, a partir das 19h. A atividade é organizada pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. A Rádio Brasil Atual entrevistou o psiquiatra Paulo Sampaio, militante do Grupo Tortura Nunca Mais, que comentou o caso e deu detalhes do ato.

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