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Só uma cidade tem paridade de gênero nas eleições 2016

Mulheres representam parcela pequena das candidaturas e chegam a receber porção ainda menor dos recursos. Descubra qual é a situação na sua cidade

memória/ebc

Em 75% das cidades que têm eleição, as candidatas sequer chegam a um terço dos políticos na disputa

CartaCapital – Há apenas uma cidade do Brasil onde a participação das mulheres em candidaturas nestas eleições é equivalente à participação feminina no eleitorado. Baixio, no Ceará, onde metade dos candidatos são do sexo feminino e metade do sexo masculino. Levantamento de CartaCapital com base em dados do TSE mostra que, em todos os outros 5.567 municípios que realizam eleições neste ano, o número de mulheres é inferior ao de homens nas disputas. Em 4.172 cidades (75% das que têm eleição), as candidatas sequer chegam a um terço dos políticos na disputa.

Levando em conta todas as cidades do país, o percentual de candidaturas femininas em 2016 teve uma alta discreta em relação ao das últimas eleições: em 2012 as mulheres representavam 31,5% dos políticos na disputa; em 2016, 31,7%. Entre os estados, o mais desigual é Pernambuco, onde 31,1% dos candidatos são mulheres. O menos desigual é o Amapá, onde a situação não é muito melhor: são 33,3% as mulheres na disputa.

Os números indicam que os partidos estão fazendo o mínimo para cumprir lei 12.034 de 2009, segundo a qual todas as legendas são obrigadas a ter ao menos 30% das candidaturas destinadas a um dos sexos.

Isso fica ainda mais claro se levarmos em conta apenas o cargo de prefeito. Como a lei aplica-se apenas às vagas para câmaras legislativas, as candidaturas à prefeitura têm uma representação feminina ainda menor: apenas 12,6% dos candidatos disputando a chefia do executivo municipal são mulheres.

As cotas nas candidaturas

Apesar de ainda inferior a um terço das candidaturas, a representatividade das mulheres cresceu desde que foi instituído o percentual mínimo de 30% para cada um dos sexos. Nas eleições anteriores à regra, em 2008, as candidaturas femininas respondiam por 21% do total.

“Essa participação um pouco acima de 30% só existe por conta das cotas. O sistema é um avanço, mas não é suficiente. Se olharmos entre os eleitos, apenas 10% são mulheres”, diz Karina Kufa, presidente do Instituto Paulista de Direito Eleitoral.

Com 9,6% de vagas ocupadas por mulheres no parlamento, o Brasil está numa das últimas posições no ranking representação política feminina da ONU. De acordo com o último Relatório de Desenvolvimento Humano, de um total 192 países, 159 têm um indicador melhor que o brasileiro. Somos o país com menor representatividade da América do Sul no quesito. Na América Latina, apenas o Haiti apresenta índice pior.

O fato do percentual de candidaturas femininas não se refletir no número de mulheres eleitas pode ser explicado, em parte, por uma prática que se tornou conhecida como o uso de “laranjas” ou “figurantes”: candidatas sem pretensão política, incluídas na disputa apenas para fazer o partido atingir o percentual estabelecido em lei.

“Partidos políticos muitas vezes incluem mulheres na lista de candidatas apenas pra cumprir a cota. Algumas nem sequer querem se candidatar”, afirma Luciana de Oliveira Ramos, Coordenadora de Pesquisa Jurídica Aplicada da FGV-SP e participante do grupo da sociedade civil Mulheres do Brasil, que fiscalizará as candidatas a vereadora da cidade São Paulo em relação a isso.

“Há muita fraude. Temos casos de servidoras públicas que pedem licença remunerada, de 3 a 6 meses, e emprestam o CPF. Quando você vê a votação, nem a própria candidata votou nela. Isso é muito ruim, só desconstrói a luta feminina”, diz Kufa.

Ligado a essa questão está também a crítica de que, muitas vezes, as candidaturas femininas recebem menos atenção e menos recursos dos partidos que os homens. “Isso acontece muito. Os dirigentes partidários, majoritariamente homens, colocam as mulheres para fazer número e não se interessam em promover as campanhas. E a gente sabe que, quanto menos recursos na campanha, menor a chance da candidata”, diz Luciana Ramos, colunista de CartaCapital e que estudou o tema em sua dissertação de mestrado.

Isso já pode ser verificado nas contas eleitorais deste ano. CartaCapital tabulou dados do TSE até 7 de setembro e verificou que, no estado de São Paulo, as candidatas são preteridas em relação aos seus colegas do sexo masculino.

A prestação de contas até agora em São Paulo mostra um repasse de legendas de R$ 19,9 milhões a 1.164 candidatos do sexo masculino (R$ 17 mil por pessoa) e R$ 3,8 milhões a 464 candidatas (R$ 8.200 por pessoa). Ou seja, entre os que receberam dinheiro da legenda, os homens ficaram com o dobro de recursos. A diferença fica ainda mais evidente se a conta incluir todos os políticos (inclusive os que até agora não receberam nenhum repasse do partido): foram R$ 340 repassados por candidato homem contra R$ 138 por candidata mulher.

Propostas

Durante encontro para discutir o assunto, em agosto, a procuradora regional da República em São Paulo, Geisa Rodrigues, disse que o Ministério Público irá investigar a questão das “laranjas” e se há a aplicação dos recursos financeiros e de tempo de TV previstos em lei para as candidaturas femininas.

Ao menos 5% do fundo partidário deve ser investido na promoção de programas que estimulem a participação das mulheres na política e pelo menos 10% do tempo de propaganda partidária gratuita do partido tem de ser destinado às mulheres.

O evento também serviu para reunir ideias de grupos de trabalho com o objetivo de promover maior equidade de gênero nas eleições. Entre as propostas está a reserva de vagas de gênero dentro das casas legislativas, cotas dentro das direções partidárias e aumentar a distribuição de recursos do fundo partidário a partidos que elejam mais mulheres, além de sanções financeiras a legendas que não elejam suas candidatas.

Algumas das ideias, como a de reserva de vagas, exigem emenda constitucional e são de difícil aprovação, especialmente em um parlamento com representação feminina abaixo dos 10%. Em conjunto com o procurador da justiça Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, Karina Kufa sugere uma medida intermediária: exigir diversidade de gênero para os eleitos graças aos votos dos outros.

Ou seja, no caso dos candidatos que dependem dos votos dados ao partido ou a outros candidatos para atingir o quociente eleitoral, seria feita uma lista alternando a mais votada entre as mulheres com o mais votado entre os homens, etc. “A vantagem é que não seria necessária emenda constitucional para aprovar algo do tipo”, diz Kufa.

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