repressão

Hélio, sequestrado pela Tropa de Choque, passa bem: confira sua história

Manifestante havia sido preso sem qualquer justificativa, ao abrir os braços em frente ao caminhão da Tropa de Choque

Gustavo Oliveira/Democratize

Sem ordem de prisão, policiais pegaram Helio a força e o jogaram dentro do tanque policial

Democratize – Uma manifestação pacífica, com Black Blocs devidamente expulsos pela direção do ato, cheia de idosos e crianças, num domingo na avenida Paulista. Mais de cem mil pessoas caminharam da Avenida Paulista até o Largo da Batata, num trajeto de aproximadamente seis quilômetros.

Um carro de som, lideranças de movimentos sociais, e no chão do asfalto manifestantes gritando “Fora,Temer”, “Diretas Já” e variantes do mesmo tema.

A matéria poderia acabar aí, não fosse a vontade da Polícia Militar de pôr para funcionar seus tanques israelenses  –  afinal, custaram 5 milhões cada –  ao final do ato, em Pinheiros.

O motivo  alegado – o real já se sabe há tempos –  para tantas bombas e balas de borracha, não se sabe e não se explica. Talvez porque ele mesmo não exista. E a rima na prosa vai deixando o texto mais pobre, como talvez deixe o relato de que a todo instante as lideranças, do alto de seu caminhão, gritassem “sem violência” numa memória das mais infelizes –  de tantas que há –  daquele junho de 2013.

“Se virem alguém praticando alguma violência, sentem. Os violentos ficarão expostos.”

Corte seco.

O repórter, na sanha de transmitir/filmar as bombas se vê só, no meio da praça, feito uma ilha, cercado de escudos e bombas por todos os lados. Pensa e conclui que o melhor a fazer é seguir fingindo que está num deserto, dançando entre fumaças, tiros e explosões –  e gritos, que a esta altura se viam longínquos e baixos. Deveria o repórter ter sentado para mostrar que a violência vem só dos que usam farda?

Uma confusão ao lado esquerdo, um tanque (ou seria trator?) passa e deixa um bizarro rastro de espuma. Os 5 milhões vazavam pelo blindado feito uma banheira tosca num programa dominical que já não existe mais. A espuma, contudo, é bem real, como são os tiros.

O sujeito (que a essa altura escapava da ilha) chega na porta do trator de ideologias e o mundo se faz presente –  já era tempo. Tanto que ao ligar a tela do celular se vê quatro integrantes da tropa de Choque arrastando um manifestante para dentro do seu bunker. A ação é observada por um cinegrafista da PM e outros dois soldados — cabos, sargentos ou sabe-se deus que nome dar  –  impávidos, como o colosso do hino que pede ORDEM e, se sobrar tempo, progresso.

O sujeito é levado. Em poucas horas, a internet faz seu serviço. Dezenas de fotos do manifestante que foi sequestrado desafiando o que não se desafia. Parando aquilo que não se deve parar. Pedindo, vejam só, que se parasse. O caminhão do Choque, ao contrário do tempo, parou. E com os braços abertos, jato d’água batendo em seu peito ele foi arrastado.

A tropa exige que ele ‘suba por bem’. Como se subir por bem num caminhão cheio de gente que poucos segundos atrás estava mirando armas em sua cabeça e dando cacetadas em seu nariz, fosse uma opção a considerar. Como se fizesse alguma diferença subir ‘por bem’ ou ‘por mal’.

O veículo israelense segue seu caminho e aquela figura, que num só gesto uniu Jesus e um tanque Chinês –  quem não se lembra da foto histórica? –  mas que não conseguiu transformar o Largo da Batata em Praça Celestial, some com o tanque.

Mas tudo que começa tem fim e nossa versão brasileira de “Rebelde Desconhecido” tem nome, profissão e até apelido. Hélio Leandro Ramos, 37 anos é publicitário. Apelido: Jesus.

“Eu só queria que aquilo parasse”. Aquilo pode se referir ao tanque, mas pode também se referir ao massacre comandado por Alexandre de Moraes (ministro da Justiça) e Geraldo Alckmin (governador), verdadeiros autores da transformação do Largo em praça  –  nada celestial  –  de guerra.

Hélio foi sequestrado pelo Choque por volta das 20h30. Era 1h30 quando a advogada Camila Oliveira entrou em contato com o Democratize, atrás de informações a respeito do paradeiro de seu ‘cliente’. Das 21h, quando Camila Oliveira e Vinícius Manosalva (outro advogado) chegaram para socorrer Hélio até aquele momento, o delegado mentiu por duas vezes a respeito do paradeiro do Jesus-brasilis.

Uma hora estava num Pronto Socorro na Lapa, na outra estava em algum dos Instituto Médico Legal que existem na cidade de São Paulo e, agora, o delegado do 14º Distrito Policial dizia que Hélio estava no Hospital das Clínicas, fazendo exames.

Hélio foi liberado do HC 1h46 da madrugada. Antes teve de recusar a ajuda de um médico que comentava com o sequestrador que “em militante tem mais é que descer a borrachada mesmo”. Uma outra doutora o atendeu, um enfermeiro fez questão de tratá-lo bem porque “ele estava lutando pelos meus direitos”.

Ele não foi agredido pelo Choque no interior do tanque defeituoso. Contou à reportagem que foi agredido antes, enquanto auxiliava um Policial Militar a organizar a entrada de manifestantes no metrô. Tinha medo que alguém se ferisse. Levou dois golpes de cassetete na cabeça, perdeu os óculos e ficou com o nariz sangrando. Foi nesta condição que ele, que já não aguentava mais ver idosos e crianças sufocando em meio ao gás lacrimogêneo resolveu se pôr entre o ‘caveirão’ e a população. Foi nessa condição que recebeu por duas vezes jato de ‘água que arde’. Uma nas pernas e outra no peito. Ousou ficar de pé.

“Por que você não caiu?” perguntou, durante o turismo do terror, uma integrante do Choque. Ficou mudo, como responder a tal questão? A mesma integrante  –  Silvia –  que partiu a reclamar de seus colegas de profissão “vou descobrir quem foi o filho da… que regulou mal esse jato.”

Fora as ameaças do tipo “se mexa e eu te mato”, não houve nenhuma agressão física por parte do Choque. Isso, claro, caso você não entenda que ser arrastado por quatro pessoas, em meio a bombas e tiros, seja uma violência física.

O delegado, pouco afeito às leis, recusou-se a redigir um Boletim de Ocorrência em favor do advogado Vinícius, que acusava a polícia de truculência. E se assim foi com o advogado, o que dizer do cliente?

Hélio foi enquadrado por “desobediência” e “obstrução de via pública”. Crimes menores, explicou Camila. “É só dor de cabeça, mas nada que deixe ‘fichado’ ou que irá te prender algum dia”.

“Em princípio eu fui acusado de pegar a arma do policial do Choque e apontar para ele. Eu nunca fiz isso, eu me segurei nas pernas dele para não cair, tive medo de ser pisoteado.”

O repórter teve medo de como encontraria Hélio. E a Polícia teve medo do que a imprensa falaria. Só quem não teve medo foi quem esteve em cima do caminhão. Ou aquele  –  que não gosta da alcunha de golpista –  que estava na China.

O resto, todos nós, tivemos medo.

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