Visão

‘População precisa perceber a comunicação como um direito’, diz Sakamoto

Em evento que reúne entidades da UNE, jornalista fala sobre a democratização e regulação da comunicação, legislação e pluralidade, mídia independente e o futuro do jornalismo

CC commons / reprodução

Portal UNE – Em debate sobre democratização da comunicação realizado na tarde de ontem (15), em São Paulo, durante a 64ª edição do Conselho de Entidades Gerais da UNE (Coneg), o jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto disse que é preciso difundir entre a população o conceito de direito à pluralidade da informação, em contraponto ao discurso hegemônico imposto pela mídia tradicional.

“Nós temos direito à comunicação e para que esse direito seja exercido é fundamental que o Estado brasileiro garanta que os diferentes pontos de vista que existem dentro do território nacional tenham possibilidade de se expressar”, defende.

Ativista dos direitos humanos e coordenador do portal Repórter Brasil, sobre exploração do trabalho em condições de escravidão, Sakamoto falou pontos relevantes para a democratização da comunicação, como a regulação de conteúdo, a descentralização da mídia e a percepção dos leitores sobre o direito à comunicação.

Confira entrevista de Sakamoto ao site da UNE:

Quando falamos em democratização da comunicação, quais os principais pontos a serem debatidos?

Primeiramente, eu acredito que na discussão a partir da percepção da população brasileira da comunicação como um direito e não como um privilégio. Nós temos direito à comunicação e, para que esse direito seja exercido, é fundamental que o Estado brasileiro garanta que os diferentes pontos de vista que existem dentro do território nacional tenham possibilidade de se expressar.

Portal UNE / Reprodução
Leonardo Sakamoto, durante Coneg-UNE

Ponto de vistas, claro, dentro daqueles que não defendem a morte ou o fim de outras pessoas. Pode parecer besteira, ainda mais dizendo a um público de estudantes. Os estudantes sabem disso, mas a população brasileira como um todo não sabe disso. E se ela não percebe a comunicação como um direito ela nunca vai reivindicar a comunicação como um direito.

Outra coisa que é relevante é a gente ter uma educação para a mídia. Eu não acredito em calar vozes dissonantes com as quais eu discorde. Eu acredito em aumentar o número de vozes. Mas antes de mais nada você precisa para isso ter leitores capazes de absorver a informação e entender o que essa informação significa e também entender as consequências da replicação, do compartilhamento, do retuíte, de um like numa informação.

Os leitores não são mais leitores, os jornalistas não são mais jornalistas, a via de mão dupla agora está consolidada e nós somos produtores e consumidores de informação, precisamos melhorar o nível de entendimento a respeito daquilo que a gente consome, o nível de qualidade daquilo que a gente produz e compartilha.

A gente precisa também ter uma legislação clara com apoio à pluralidade na comunicação. Em vários países do mundo existem leis que dizem que o Estado tem que apoiar exatamente essa pluralidade de ideias, apoiar veículos de comunicação, apoiar posições, caso contrário eles nem teriam voz na sociedade. É ter uma política nacional independente de quem estiver no poder que financie a comunicação no Brasil em diferentes pontos de vista.

Você acredita que é preciso regular conteúdo ou só mexer na questão da concentração de poucas vozes na mídia?

Eu acredito que a gente tenha que ter um respeito com relação à regulação do espectro eletromagnético, rádio, televisão, com respeito àquilo que é público, a concessão desses veículos devem ser regulada e obedecer determinados critérios, afinal isso é público e está sendo concedido a empresas privadas.

Da mesma forma como a gente tem que ter uma agência pública – e não estatal – de informação, com independência real e sem sofrer influência nenhuma de nenhum governo.

Agora, eu acho que a internet ou veículos impressos, revista ou jornal, por exemplo, não são passíveis de regulação. Na minha opinião, a regulação para isso é a legislação que deve ser aplicada no sentido não de tolher o trabalho jornalístico, mas de punir eventuais excessos.

Qual sua opinião sobre os blogs progressistas, a mídia independente e os veículos populares? Você acredita que eles estão fazendo um contraponto à grande mídia?

Eu acho que dentro dos blogs e páginas independentes nós temos diferentes pontos de vista no espectro ideológico. Temos o ponto de vista mais progressista, o ponto de vista mais conservador. Eu acredito que tanto os mais progressistas quanto os mais conservadores ou liberais, como alguns deles gostam de dizer, já são peça importante do cenário político brasileiro.

Agora, nem sempre blogs progressistas ou blogs conservadores exercem o melhor jornalismo, ou de qualidade. Não estou falando que o jornalismo é imparcial, mas acredito que existe uma espécie de descuido para dizer o mínimo ao dar cara de jornalismo a uma militância.

Eu acho sinceramente hoje que a melhor experiência de jornalismo independente é o Jornalistas Livres. É a rede mais significativa e a que mais cresce e que não são blogs independentes, são redes de produção de conteúdo.

A gente está na infância da produção de conteúdo na internet. As possibilidades de um jornalismo alternativo e independente acho que ainda vão muito longe, a gente ainda vai construir muita coisa. Só espero que, para isso, a gente sobreviva, a gente não se mate até lá. Nem a esquerda mate a direita, nem a direita mate a esquerda.

Se isso acontecer e a gente atravessar essa infância do jornalismo na internet, a gente poderá fazer coisas muito legais e plurais.

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