História

Mudança de nome de rua é resposta a violência e ‘transição do esquecimento’

Dois logradouros da cidade de São Paulo, um dos quais o Minhocão, perdem referência à ditadura. Prefeito cita Brilhante Ustra, critica movimento Escola sem Partido e fala em 'fragilidade' democrática

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Minhocão: sai o ditador Costa e Silva, que abriu o período mais violento da ditadura em 1968, entra o presidente deposto em 1964

São Paulo – O anúncio de que o Elevado Costa e Silva, a partir daquele momento (11h27), passava a se chamar Elevado João Goulart foi o momento mais comemorado na cerimônia de hoje (25) em que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), sancionou dois projetos que mudam nomes de logradouros da cidade e assinou um decreto tornando permanente o programa Ruas de Memória. Mais conhecido como Minhocão, inaugurado há 45 anos para compor a ligação leste-oeste da capital, cortando a região central, a via passa a homenagear o presidente deposto em 1964, em vez do general-presidente do período do AI-5, ato publicado em 13 de dezembro de 1968 que abriu o período mais violento da ditadura. Foram quase dois minutos de palmas, com todos no auditório em pé – o primeiro a se levantar foi o ativista e ex-senador italiano José Luiz Del Roio.

Na sanção, o prefeito disse ter lembrado do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015, chefe do DOI-Codi paulista. “Acho que esta é uma resposta à altura a todas as atrocidades que ele e todos os seus comparsas cometeram contra a liberdade de expressão, a liberdade de opinião e contra a democracia”, afirmou Haddad, destacando ainda o momento atual, em que, segundo ele, a democracia “dá sinais de fragilidade”.

O projeto que muda o nome do Minhocão, de 2014, foi aprovado há apenas um mês. “Na Câmara, foi dificílimo passar”, disse o vereador Eliseu Gabriel (PSB), autor da proposta. “Não passava na Comissão de Constituição e Justiça, o pessoal não deixava votar, falava que era inconstitucional… Muito difícil de votar.” Segundo ele, temas como esse, além das comissões da verdade, são “uma questão civilizatória” para o país.

O outro projeto de lei, do vereador Arselino Tatto (PT), mudou a Avenida General Golbery do Couto e Silva, no Jardim Lucélia (Grajaú), na zona sul, para Giuseppe Benito Pegoraro – missionário italiano atuante nas comunidades paulistanas e professor da Faculdade de Teologia da Arquidiocese de São Paulo. Apresentado em junho do ano passado, o PL foi aprovado há pouco mais de um mês.

Impunidade

A prefeitura paulista identificou quase 40 logradouros com nomes de pessoas identificadas com violações de direitos humanos. “Símbolos que reiteram a sensação de impunidade”, diz a coordenadora de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania do município, Carla Borges. Do total, 22 são considerados prioritários para a mudança, com preferência para nomes de mulheres – o decreto assinado hoje fala que “os nomes nomes devem priorizar homenagens a personalidades do gênero feminino, tendo em vista a grande quantidade de homens homenageados em logradouros públicos municipais”.

O texto se baseia no relatório da Comissão Nacional da Verdade e no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). O Executivo paulistano tem outros projetos de lei relativos ao tema em tramitação. O PL 411/2015 muda o nome do Viaduto 31 de Março para Therezinha Zerbini, enquanto o 410/2015 veta novas homenagens a violadores de direitos humanos.

“A cidade está se reconciliando com sua memória. Está escolhendo de que lado está”, acrescentou o secretário Felipe de Paula.

Haddad citou ainda o movimento Escola sem Partido, que considera um eufemismo para “escola sem história”, “como se fosse possível suprimir a história de uma cidade”. Segundo ele, a proposta lembra a ditadura e sua política de “formação de cidadãos acríticos”. “Queremos que as nossas escolas discutam a vida como ela é. Mais do que nós, acho que a juventude está mobilizada para evitar esse tipo de retrocesso.”

Diretor do Instituto Vladimir Herzog, Ivo Herzog também citou o Escola sem Partido como exemplo de avanço conservador, além do “rebaixamento” da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. “É uma resposta objetiva a todo esse movimento de retrocesso”, comentou, sobre os projetos sancionados hoje.

“A gente tem de marcar a cidade com símbolos da democracia”, afirmou a presidenta de Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a procuradora da República Eugênia Gonzaga. Para ele, o Brasil tem a peculiaridade de ter feito uma transição – da ditadura para a democracia – “com base no esquecimento”.

Codiretora do documentário Verdade 12.528, sobre a Comissão Nacional da Verdade, a jornalista Paula Sacchetta contou ter nascido no ano da Constituição (1988) e citou os casos do deputado Rubens Paiva (desaparecido em 1971) e do pedreiro Amarildo Dias de Souza (desaparecido em 2013) para lembrar que o país “continua cometendo crimes”.

 

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